Uma audiência concorrida, com ânimos exaltados e tensos de ambos os lados, com maioria contrária à instalação da Mina Guaíba e um pequeno grupo favorável. Assim foi o cenário de mais um debate acerca da instalação da mina que pretende, nos próximos 30 anos, extrair 166 milhões de toneladas de carvão mineral entre os municípios de Eldorado e Charqueadas, a 16 km da capital gaúcha. Proposto pelo deputado Edgar Preto (PT), e com apoio de outros deputados, o debate foi promovido pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. A audiência foi realizada no Teatro Dante Barone, na noite dessa segunda-feira (30).
Antes do início do debate, uma longa fila se formava do lado de fora do teatro. Enquanto isso, dentro, manifestantes se acomodavam. Muitos traziam cartazes se manifestando, com frases como ‘Não a Mina! Sim a Vida”. A audiência foi encerrada às 22h. Participaram parlamentares, representantes da empresa Copelmi, da Fundação Estadual de Proteção Ambiental – RS (Fepam), órgãos de controle e dezenas de entidades da sociedade, que compõem o Comitê de Combate à Megamineração no RS, representantes indígenas e demais pessoas contrárias à instalação do Polo Carboquímico.
A deputada Zilá Breitenbach (PSDB), presidente da comissão, explicou que objetivo da audiência é sanar dúvidas quanto ao empreendimento e levar ao conhecimento da população mais informações sobre a Mina Guaíba. Durante o ato, a maioria das manifestações alertaram para os riscos ao meio ambiente, à saúde e à economia preexistente do local, como a produção de arroz orgânico e de hortaliças feitas pelo Assentamento Apolônio de Carvalho. Do outro lado, defendeu-se a geração de emprego e renda.
Proponente do debate, o deputado Edegar Pretto (PT) pediu à Fepam que, perante o licenciamento inicial, fosse levado em conta a legislação ambiental que diz que toda a comunidade que se sentir impactada por um empreendimento como o da Mina Guaíba deve ser consultada. “Estamos falando do maior empreendimento de mineração a céu aberto do país, a 15 km da capital, a metros do delta do Jacuí, que abastece Porto Alegre e a região metropolitana. Continuamos aguardando que a Fepam possibilite o debate na capital e na região metropolitana”.
O deputado disse ainda que também quer emprego e desenvolvimento. Contudo, ressaltou querer saber a que preço e quem se responsabiliza pelo futuro. “Lá não é um céu aberto, um território sem gente, sem vida. Lá tem pessoas, tem empreendimentos, agricultores assentados, lá se produz comida, arroz orgânico. Não é simples assim trocar lá e botar aqui”, atesta.
Seguindo essa linha, a deputada Sofia Cavedon (PT) lembrou que há dois meses se aguarda a resposta da Fundação. Lembrou também que, nas audiências e debates realizados, a maioria das manifestações têm sido contrárias ao empreendimento. “Será que essa voz, essas audiências, não tem a força de parar esse licenciamento? Pois eu entendo que o poder de deliberação, a soberania popular é do povo, porque é ele que está sendo afetado nas suas vidas”, ressaltou a deputada, chamando a responsabilidade do governo Estadual: “O governo não está dando valor para o impacto violento sobre os agricultores familiares que serão retirados do seu espaço para se fazer exploração da mina, não tem escuta sobre as aldeias indígenas, não temos escuta sobre o meio ambiente”, finaliza.
Frente às cobranças de uma audiência na capital, o representante da Fepam, Renato Silva, disse que a instituição vem procurando cumprir a legislação que determina a realização de audiências públicas em cidades diretamente atingidas por um empreendimento. Informou ainda que o processo de licenciamento está paralisado aguardando que a Copelmi realize os estudos adicionais e forneça as informações solicitadas pela Fepam, após a análise do Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela empresa.
MP pede suspensão de licenças
A promotora da área ambiental do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul (MPE), Ana Maria Marchesan, informou que o MPE tem um inquérito civil que tramita desde 2016, a respeito dos possíveis impactos ambientais da Mina Guaíba. Lembrou que o empreendimento sequer conta com a primeira licença da Fepam, que é a licença prévia. Além disso, comunicou que o MPE ajuizou, há 15 dias, uma ação contra o Estado do RS e contra a Fepam, objetivando suspender qualquer licença para empreendimentos na região, em função de déficits democráticos muito graves. “Não houve a participação das comunidades afetadas, e também há o fato dessa lei não ter sido precedida de uma avaliação ambiental estratégica que leve em conta o somatório dos efeitos sinérgico das atividades a serem ali implementadas”, pontua.
Renda como contrapartida
Vaiado do início ao fim da sua apresentação, o gerente de sustentabilidade da Copelmi, Cristiano Weber, fez um apanhado do projeto por 20 minutos. Afirmou que a mina pretende extrair 8,1 milhões de toneladas de carvão por ano. Em sua apresentação, negou todos os possíveis impactos e danos ambientais levantados pelas manifestações contrárias à mina. “Não haverá falta de água, nem problemas respiratórios nem problemas de rachaduras em residências e edificações nas cidades”, destacou. Durante sua fala, como já havia feito em outras ocasiões, ressaltou a geração de emprego e renda, sustentando-se no elevado índice de desemprego do Estado. Ao fim de sua fala, enquanto um pequeno grupo aplaudia, muitos dos presentes gritaram, por diversas vezes: “Fora Copelmi! Fora Copelmi!”.
Favorável à instalação da mina, o deputado estadual Gabriel Souza (MDB), em sua fala aludiu que a exploração do carvão representa o pré-sal gaúcho e uma grande possibilidade de desenvolvimento e de garantia da autossuficiência energética para o Rio Grande do Sul. Ao ser vaiado, disse que as vaias não estavam sendo direcionadas a ele, mas sim ao ex-governador Tarso Genro, que proferiu essas palavras em defesa do carvão. Comentou que muita gente segue com a mentalidade do carvão das décadas de 1930 e 1940, mas que hoje se trata de uma "fonte de energia firme", e classificou as manifestações contrárias como a “vanguarda do atraso”.
Alteração no código ambiental
“O que a Copelmi está propondo não é um empreendimento, é um crime ambiental, um crime contra o futuro do nosso estado”, frisou a deputada Luciana Genro (PSOL), que destacou que a questão precisa ser debatida com mais profundidade. De acordo com ela, isso não é possível devido a ausência de uma audiência na capital. “Soma-se o encaminhamento feito, em regime de urgência, pelo governador Eduardo Leite, sobre 480 alterações no código ambiental, que são feitas sob medida para atender os interesses da Copelmi. A lei Copelmi será o novo código permanente”, ressalta a deputada ao pontuar que o regime de urgência impede que as comissões da Assembleia discutam o projeto, assim o Ministério Público e a sociedade gaúcha. “Não podemos aceitar essas mudanças no código ambiental, assim como não podemos aceitar esse empreendimento criminoso. E por isso precisamos de apoio da população”.
No final da sua manifestação, Luciana propôs um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para que a população seja consultada através de um plebiscito sobre a instalação da Mina Guaíba. “Se tivermos a oportunidade de ter um debate democrático, assim como estamos fazendo na Assembleia, mas com toda a população envolvida, podemos ganhar esse apoio e incrementar essa mobilização. É impossível deixar nas mãos apenas da Fepam o destino do nosso meio ambiente”, finaliza. O projeto necessita de 19 assinaturas para ser apreciado no Parlamento.
Comunidades não ouvidas
Vestidos de laranja, alguns indígenas das duas comunidades mbyá guarani impactadas pela Mina Guaíba - a Aldeia Guajayvi, em Charqueadas, e a comunidade Pekuruty, em Eldorado do Sul - estavam atentos ao debate. De acordo com a jornalista Fernanda Wenzel, em matéria publicada na edição de setembro do jornal Extra Classe, a comunidade indígena não foi ouvida. Fato confirmado pelo cacique Cláudio Acosta, em entrevista para a Rede Soberania e o Brasil de Fato, antes do início da audiência. “Não fomos procurados por ninguém, soubemos por acaso”, aponta o cacique. Conforme Cláudio, vivem ali 17 famílias, somando 60 indígenas, que serão atingidos pela mina. “A gente já perdeu muita coisa no mundo, com essa empresa da mineração vamos perder mais, vai estar poluindo nossa área, nossa água, destruindo a saúde dos indígenas, da aldeia também”, afirma.
Para a presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena do Litoral Sul e presidente do Fórum Nacional de presidentes de Saúde Indígena, Andreia Takua, da comunidade mbyá guarani, a instalação da mina põe em risco a cultura, a natureza, e as medicinas tradicionais das comunidades indígenas. “Não fomos consultados sobre essa mina, em nenhum momento fomos ouvidos em que nos afeta. Então viemos aqui para dizer que não aceitamos nos nossos territórios, somos a favor da vida e não do carvão. Queremos que respeitem o nosso espaço, nossa vida indígena, nosso modo de nos organizar”, comentou à Rede Soberania e ao Brasil de Fato.
Andreia destacou que todos os direitos indígenas conquistado pelos antepassados, hoje estão na esteira do retrocesso, em todos os estados onde os governos vêm colocando empreendimentos em terras indígenas. “Sozinho não podemos, por isso precisamos de todos dizendo não a essa a mina que destruirá não só a população indígena, mas a população não indígena, e destruirá de uma forma que a gente não vai ver, que vai acontecer aos poucos, a gente vai morrer aos poucos”.
Para a deputada federal Fernanda Melchiona (PSOL), o planeta pede socorro. “O que fizermos agora vai impactar no futuro da humanidade, precisamos pensar globalmente, agir localmente. Há um desmonte no país, estamos vendo uma situação catastrófica em nível federal, o Estado do RS vai dar um péssimo exemplo se permitir a instalação dessa mina”. Ainda de acordo com a parlamentar, é um absurdo a Fepam dizer que a questão não tem relação com Porto Alegre, uma vez que estará a 15 km da capital.
Sobre a questão indígena e do fato da empresa dizer que enviará um ofício à Funai, Fernanda lembrou que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao tratar da população indígena, dize que elas precisam ser consultadas. “Não é um problema de ofício à Funai, é respeito aos indígenas”, ressalta.
Francisco Milanez, da Associação Gaúcha de Proteção Ambiental (Agapam), lembrou que a capital gaúcha já foi o berço da luta ambiental e hoje corre o risco de virar a rabeira dessa luta. “Porto alegre, que foi a pioneira da questão ambiental, está dando as costas ao presente e indo em direção ao passado. Enquanto na China e na Europa, atualmente correm para energias mais limpas. O RS tende a virar um estado minerador, com pessoas doentes, que afastará novas empresas, que poderiam investir aqui, empresas do futuro, de tecnologia, querem ficar longe das mineradoras. Fala-se de emprego e desenvolvimento, mas a quantidade de empregos que eles vão gerar é muito menor que a quantidade de empregos que eles vão destruir”, conclui.
Veja aqui mais depoimentos e a cobertura de parte da audiência:
* com informações de Marco Weissheimer, do Sul 21 e da Rede Soberania
Edição: Marcelo Ferreira