Uma professora de matemática traça duas linhas paralelas no quadro negro. A lousa é dividida em três partes iguais, mas a aula não é de geometria. Cada terço apresenta conteúdos de grades diferentes; 3º, 4º e 5º ano do Ensino Fundamental. A educadora se desdobra para evitar a dispersão dos mais de 50 estudantes e ministrar três aulas em uma.
A escola fica em Porto Alegre e figurou recentemente no noticiário gaúcho. Mas a cena se repete em toda a rede estadual. Passados seis meses do início do ano letivo, a crônica falta de profissionais tem levado um número alarmante de instituições a adotar o expediente da multisseriação – quando alunos de anos desiguais frequentam a mesma classe.
No meio rural, essa é a forma de organização predominante. Dada a baixa densidade habitacional, professores com formação específica atendem alunos de diversas idades no mesmo espaço, ligados pelo senso de comunidade próprio a quem vive no campo.
Já nas escolas urbanas, a multisseriação é uma anomalia do sistema. Trata-se de uma dupla violação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Primeiro, uma ofensa ao Art. 62, que limita a 30 o número de alunos por turma do 2º ao 4º ano. Depois, um completo desprezo pela carga horária mínima prevista no ano letivo, de 800 horas para o Ensino Fundamental.
Em 45 minutos de aula, cada estudante receberá apenas 15 de conteúdo adequado ao seu nível de escolaridade. Isso no cenário fantasioso de partilha perfeita do tempo, com uma educadora sobrecarregada e uma classe superlotada de crianças. Convém acrescentar que o atendimento personalizado às necessidades de cada estudante é em absoluto comprometido.
Nas últimas semanas, temos presenciado uma explosão nos casos de enturmação: quando turmas do mesmo ano são aglutinadas para poupar recursos humanos. Aqui, também, a qualidade e as particularidades de cada classe é deixada de lado. Alunos separados por dificuldade de relacionamento são obrigados a conviver no mesmo ambiente, e o educador que se vire para equilibrar os diferentes níveis de apropriação dos conteúdos.
Essas medidas favorecem a evasão escolar, criando um ciclo vicioso. O Estado não tem políticas para evitar a infrequência, e usa os números para justificar novas enturmações e multisseriações. A verve neoliberal celebra a queda no número de alunos como catalisadora da redução da máquina.
Disfarçado de “racionalização e otimização de custos”, o brutal enxugamento imposto pelo governo Leite sufoca a qualidade da educação, desestrutura a organização pedagógica, onera profissionais e, em última instância, prejudica o aprendizado.
Quando o IDEB gaúcho apresentar um desempenho aquém do desejado, não faltará quem responsabilize os educadores. Nós, apesar dos salários atrasados e congelados, fazemos a nossa parte. E o governo, quando fará a sua?
* Helenir Aguiar Schürer é professora do Estado há mais de 30 anos e atual presidente do CPERS Sindicato
Edição: Marcelo Ferreira