Para Ágatha e Padre Roque Grazziotin
"Escolhi a sombra desta árvore para/ repousar do muito que farei, /enquanto esperarei por ti./ Quem espera na pura espera/ vive um tempo de espera vã./ Por isto, enquanto te espero,/ trabalharei os campos,/ conversarei com os homens."
Paulo Freire, autor do poema ‘À Sombra desta Mangueira’, se vivo, teria feito 98 anos em 19 de setembro. Enquanto esperou, Paulo Freire trabalhou os campos da libertação e conversou com homens e mulheres mundo afora. Assim como o padre Roque Grazziotin, desde os tempos de JOC (Juventude Operária Católica), nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), na Pastoral Operária (PO), na boa política, lutador que foi a vida inteira da Justiça e dos Direitos Humanos. Ágatha não teve esta oportunidade, ainda que em seus apenas oito aninhos já ensaiasse passos e promessas de quem queria fazer muito na vida.
"Suarei meu corpo, que o sol queimará;/ minhas mãos ficarão calejadas;/ meus pés aprenderão o mistério dos caminhos;/ meus ouvidos ouvirão mais,/ meus olhos verão o que antes não viam,/ enquanto esperarei por ti."
Paulo Freire foi preso e exilado político, porque ousou criar um Programa Nacional de Alfabetização nos anos 1960. As elites não suportaram ver brasileiras e brasileiros aprendendo a ler e escrever palavras geradoras e conscientizar-se como cidadãs e cidadãs: nunca descansar, nunca esperar por esperar. Abrir sempre olhos e ouvidos. Descobrir a vida e seus mistérios. Esperançar.
"Não te esperarei na pura espera/ porque o meu tempo de espera é um/ tempo de que fazer./ Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,/ em voz baixa e precavidos:/ é perigoso agir,/ é perigoso falar,/ é perigoso andar."
Paulo Freire escreveu seus livros mais famosos ‘Pedagogia do Oprimido’ e ‘Educação como Prática da Liberdade’ no Chile, exilado. Não ficou esperando a volta à sua pátria amada para dizer ao mundo o que tinha para dizer. E nunca se deixou amedrontar por quem o prendeu, por quem o levou ao exílio. Nunca teve medo de agir. Nunca deixou de falar nos quatro cantos do mundo. Nunca parou de andarilhar nos becos, nas vilas, no sertão, nos bancos escolares, nos espaços públicos, em todos os lugares onde suas palavras geradoras pudessem tornar-se sementes, germinar, produzir flores e frutos de vida e fé.
“É perigoso esperar, na forma em que esperas,/ porque esses recusam a alegria de tua chegada./ Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,/ com palavras fáceis,/que já chegaste,/ porque esses, ao anunciar-te ingenuamente,/ antes te denunciam."
Não se pode ficar calado, nem se iludir com falsas promessas ou vãs ilusões. Os donos do poder corrupto, ontem e hoje, querem fazer crer que um novo amanhã chegou, ou que supostos novos valores são necessários. Esses mesmos que hoje querem exilar Paulo Freire de novo, os mesmos, da mesma vertente, que o exilaram em 1964, e que o denunciam, e que profanam sua palavra libertadora, sua capacidade de fazer outras e outros sonharem, de dizerem sua própria palavra, expressarem seu próprio sentimento, denunciarem as injustiças, a fome e a miséria de suas irmãs e irmãos.
"Estarei preparando a tua chegada/como o jardineiro prepara o jardim/ para a rosa que se abrirá na primavera."
A Campanha Latino-americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire, sob inspiração do CEAAL, hoje Conselho de Educação para a América Latina, antigo Conselho de Alfabetização da América Latina, cujo primeiro presidente foi Paulo Freire, está acontecendo em toda América Latina e Caribe. O lançamento da Campanha no Brasil já aconteceu em São Paulo, em Recife, na semana de 24 a 29 de setembro está acontecendo em Belém, nas terras amazônicas. E dia 19 de outubro, a partir das 15h, com presença do atual presidente do CEAAL, Oscar Jara, haverá o lançamento da Campanha em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, ‘debaixo das mangueiras’ da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
‘À sombra desta mangueira’ e destas mangueiras, como o jardineiro prepara o jardim para a rosa que se abrirá para a primavera, Paulo Freire, e sua Pedagogia do Oprimido, sua Educação como Prática da Liberdade, sua Pedagogia da Autonomia, sua Pedagogia da Indignação, sua Pedagogia da Esperança, continuam, não só esperando a primavera, mas enchendo-a de risos, colorindo-a de sonhos, enchendo-a de liberdade, povoando-a de futuro e esperança.
A rosa não se abriu na primavera para Ágatha. Um tiro de fuzil tirou sua vida. Mas a primavera de Ágatha, em outra dimensão, abriu o olhar de muita gente, fez muita gente deixar de esperar em vão, e voltou a esperançar brasileiras e brasileiros no lindo sorriso de Ágatha e na justa indignação e coragem de que não se deve achar que ‘é perigoso agir, é perigoso falar, é perigoso andar’. É, sim, urgente e necessário agir, é urgente e necessário falar, é urgente e necessário andar.
Edição: Marcelo Ferreira