A extinção do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) do município de Porto Alegre e da consequente demissão de mais de 1.800 profissionais da saúde anunciada pelo prefeito Nelson Marchezan na terça-feira (17) tem gerado apreensão nos porto-alegrenses. Em coletiva, o prefeito ressaltou que a Ação Direta de Inconstitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal foi movida por entidades sindicais, e que para contornar a situação serão criadas novas Clínicas da Família na cidade, que são administradas em parceria com a iniciativa privada.
A fim de esclarecer a situação à população e aos trabalhadores, o presidente do Conselho Estadual de Saúde, Cláudio Augustin, explicou, em entrevista à Rede Soberania realizada nesta quinta-feira (19), a origem da ação e de que forma a prefeitura está usando a decisão do STF para acelerar a privatização do atendimento básico, colocando a culpa nos sindicatos. “Não é correto e não é justo que o prefeito use uma decisão correta do Supremo Tribunal Federal para criar o caos em Porto Alegre. Nós não aceitamos isso e vamos lutar para que isso não ocorra”, disse. Confira os principais trechos da entrevista.
IMESF nasceu inconstitucional
"A situação em Porto Alegre é bastante grave. O prefeito diz que o culpado disso são as entidades que entraram com a Ação Indireta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a fundação pública de direito privado. Eu vou reconstituir a história para as pessoas entenderem o que é essa ação, qual o seu significado e as consequências decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal. A história de Porto Alegre, dos postos de saúde, nós passamos por várias experiências. Primeiro, os trabalhadores eram contratados via associação de moradores. Depois foram contratado através de uma fundação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Depois foi pelo Hospital de Cardiologia e depois pela Organização Social Sollus.
Todo um processo de pressão da sociedade, do Ministério Público, do Tribunal de Contas, exigindo que fossem os trabalhadores fossem contratados pela própria prefeitura. Depois de inúmeras discussões com Conselho Municipal de Saúde, no final a Prefeitura de Porto Alegre apresentou a proposta de fundação pública de direito privado. Essa discussão foi feita no conselho e foi rejeitada por quase unanimidade. Somente os representantes da prefeitura votaram a favor na época. Foi feito um amplo debate com audiência pública na Câmara de Vereadores, não foi uma questão menor. Houve um amplo debate da sociedade em Porto Alegre, em que nós apontamos todas as inconstitucionalidades do projeto de lei. Primeira inconstitucionalidade: O artigo 39 da Constituição Federal diz que a administração pública direta, autárquica e fundacional tem que ser regida pelo regime jurídico único, ou seja, de direito público. Segunda inconstitucionalidade: O inciso 19 do artigo 37 diz que tem que ter uma lei complementar federal, nas áreas de atuação das Fundações. Também não existe essa lei. Então essas inconstitucionalidades impediam aprovação do projeto.
Por maioria de votos, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou essa lei. Nós, um conjunto de entidades, entramos com uma ADIN contra o IMESF. Não foi só contra o IMESF, nós entramos também contra uma fundação igual a essa, de saúde, de Novo Hamburgo, que também foi julgado inconstitucional. E o Sindisaúde do Vale entrou contra a fundação de Sapucaia, que também foi julgado inconstitucional. Ou seja, há uma decisão muito forte do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul alegando a inconstitucionalidade."
Prefeito anunciou extinção antes mesmo do acórdão
"A Prefeitura, em vez de resolver a situação, foi recorrendo diversas vezes. E agora teve uma decisão em que é negado um dos pedidos da prefeitura, mas o acórdão não foi publicado, leva em torno de um mês para que isso ocorra. Em uma situação parecida com essa, a prefeitura de Novo Hamburgo entrou com embargos declaratórios depois do acórdão, e foi suspenso o processo. Ou seja, não existe motivo algum, sem antes sair o acórdão, de tomar qualquer ação.
Há uma precipitação desrespeitosa com a sociedade de Porto Alegre feita pelo prefeito. Não há motivo nenhum para demitir as pessoas. O STF diz que é inconstitucional a fundação de direito privado. O entendimento que nós temos é que a prefeitura não pode fazer isso porque a fração levará a desistência de boa tarde da população de Porto Alegre isso é inaceitável. São mais de 1800 pessoas demitidas.
Quando a prefeitura recorreu no Supremo, eu estive conversando com a ministra relatora Rosa Weber e ela nos alegou que não havia feito o recurso da prefeitura, preocupada com a situação de centenas de milhares de porto-alegrense que ficariam desassistidos e também das pessoas que perderam seu emprego. Ou seja, a prefeitura teve mais do que tempo de corrigir os seus erros e acertar o que devia ter acertado. Não tem necessidade alguma de sair destruindo com tudo."
Em defesa do trabalhador, entidades apontaram inconstitucionalidade
"Nós brigamos, entramos com as ações, na época eu era presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul, nós entramos em defesa da Saúde Pública. Não dos trabalhadores, que naquele momento não existiam. Nós exigimos que os trabalhadores do serviço público tinham que ser como manda a Constituição Federal, a Construção Estadual e a Lei Orgânica de Porto Alegre, que tem que ser regido pelo estatuto.
A questão da estabilidade do servidor público é para se garantir a sociedade de ter continuidade do seu serviço prestado, para que cada novo prefeito, governador ou presidente eleito mude o conjunto dos trabalhadores. No caso da saúde é mais grave ainda porque o processo de assistência da Saúde pressupõe uma relação de confiança entre o profissional da saúde e a pessoa que está sendo atendida. Isso pesa muito na cura da enfermidade. Então essa relação de confiança é convivência é extremamente necessária.
Em primeiro lugar, a culpa é da Prefeitura e da maioria da Câmara de Vereadores que fez as coisas erradas, e coisas ilegais têm que ser corrigidas, nós não podemos partir da ilegalidade. Tem vários outros motivos que poderia trabalhar em cima, por exemplo, tu perde o controle social sobre ela. O controle social não consegue examinar os procedimentos do Imesf de forma adequada.
Estamos numa situação que nós não temos o acórdão. Como eu disse antes, em Novo Hamburgo foi suspenso fechamento da fundação de saúde de lá, em cima dos embargos declaratórios. O que poderia ainda acontecer em Porto Alegre, então não há pressa nenhuma. No próprio acórdão podem ter várias questões que não ficam claras."
Tribunal de Justiça deu três meses para resolver a situação
"Tem uma questão importante sobre isso, quando o Tribunal de Justiça julgou a inconstitucionalidade do IMESF, lá foi dito que a prefeitura tinha três meses para tomar os procedimentos necessários para o seu fechamento. Isso deve estar também na acórdão do supremo, provavelmente vai ter. Mesmo depois de publicado o acórdão, passado os embargos declaratórios, quando se confirmar sua inconstitucionalidade, ainda tem três meses. Então não há necessidade alguma de sair criando o caos ou o terror em cima da sociedade de Porto Alegre.
Existe ainda uma questão que é muito relevante nesse caso. É uma fundação pública e existe um acórdão do Superior Tribunal do Trabalho que diz que os trabalhadores, mesmo empregados públicos de fundação, têm estabilidade a partir de três anos de exercício, que é a estabilidade do servidor público estatutário concursado. Até três anos ele está em estágio probatório e a partir disso, passa a ter cargo efetivo. Esse princípio do Tribunal Superior do Trabalho foi utilizado quando o Sartori fechou varias as fundações de direito privado no Rio Grande do Sul: a FEE, a Cientec, a Zoobotnica, a Fepam. Então é uma jurisprudência consistente que impede a demissão desses trabalhadores."
Momento de resistência
"Então nós não aceitamos de forma alguma demissão desses trabalhadores, não aceitamos de forma alguma a desassistência que isso vai gerar na sociedade de Porto Alegre. Então nós vamos lutar com todas as forças que nós tivermos para garantir o emprego e o atendimento da população. Essa é a questão central, não é correto e não é justo que o prefeito use uma decisão correta do STF para criar o caos em Porto Alegre. Nós não aceitamos isso e vamos lutar para que isso não ocorra.
Chamamos todos os setores da sociedade de Porto Alegre pára se engajarem nessa luta, sejam trabalhadores do IMESF, seja o conjunto da população que será desassistida. Terá uma audiência pública na Câmara de Vereadores, na segunda-feira de manhã, às 10h, e é extremamente importante que se lote as galerias no sentido de garantir uma pressão política da sociedade perante a Câmara de Vereadores e perante o prefeito.
Essa culpa nós não temos. Ao contrário, fizemos amplos debates. Têm matérias de toda a imprensa sobre isso, teve debate na TV, nas rádios, na Câmara de Vereadores, e nós sempre afirmados que é inconstitucional. Não é de graça que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aprovou por unanimidade a nossa tese. E o Supremo reafirma e já tem duas decisões sobre isso."
Prefeito quer privatizar a saúde
"Eles fazem isso para tentar privatizar a saúde, retirar o direito da saúde da sociedade de Porto Alegre. Por que essas clínicas que eles estão propondo é a privatização da saúde e o fim do Sistema Único de Saúde. Na área da saúde, uma questão importante é o território, reconhecer onde a pessoa mora, por que a relação saúde-doença não é uma coisa só do corpo humano, mas envolve a situação, se tem ou não saneamento básico, o tipo de ar daquela região. Questões como essas tem a necessidade da territorialidade e quem faz isso é o agente comunitário de saúde, que é a maioria dos trabalhadores do IMESF. São extremamente importantes no processo de conhecer a realidade local e as doenças decorrentes desse local de moradia. Então essas clínicas vão perder todas essas coisas.
A estratégia da família deixou já de ser estratégia no governo Temer e agora está aprofundando no governo Bolsonaro, que está acabando com a atenção básica, e o prefeito está com a mesma posição política de destruição da Saúde. Isso é inaceitável e como eu disse antes, nós vamos mobilizar todas as forças políticas para que esse carro não aconteça."
Confira a entrevista completa na Rede Soberania:
Edição: Marcelo Ferreira