A exposição Independência em Risco, organizada pela Grafistas Associados do Rio Grande do Sul (Grafar), voltará a ser exposta na Câmara Municipal de Porto Alegre a partir da próxima segunda-feira (16), às 18h. A mostra havia sido cancelada após censura imposta pela presidente da casa, a vereadora Monica Leal (PP), que alegou que as obras eram de caráter ofensivo ao presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Na tarde dessa quinta-feira (12), em coletiva que reuniu os cartunistas, representantes das entidades Associação Mães e Pais pela Democracia e Associação de Juristas pela Democracia (AJURD), os vereadores Marcelo Sgarbossa (PT) e Roberto Robaina (PSOL), Monica Leal afirmou que não vai recorrer da liminar que determina a retomada da exposição.
A liminar foi deferida horas antes da coletiva pelo juiz Cristiano Vilhalba Flores, da 3ª Vara da Fazenda Pública, que determinou a recolocação das obras, motivada por um mandado de segurança impetrado pelas entidades Mães e Pais pela Democracia e AJURD, pelo Sgarbossa e os artistas da mostra.
Roda de Conversa
Também nessa quinta, no início da noite, os cartunistas participaram de uma roda de conversa promovida pelo Brasil de Fato RS e pela Rede Soberania no Tutti Giorni, espaço de resistência e arte no viaduto da Borges, centro da capital gaúcha. Conforme a jornalista Katia Marko, que conduziu o bate papo ao lado do jornalista Ayrton Centeno e do comunicador popular Luiz Müller, foi “uma conversa cheia de caras e bocas, risadas e preocupação, memórias e história. Vivemos tempos duros, mas sem perder a ternura e a alegria jamais!”
Por mais de uma hora, os artistas conversaram sobre liberdade de expressão, história da charge e resistência. O cartunista Edgar Vasques recordou o contexto fascista que cresce no mundo inteiro e elencou problemas locais. “Em Porto Alegre, as pessoas ignoram o cartum, que é a manifestação cultural produzida no RS melhor reconhecida internacionalmente. Temos aqui o Óscar do cartum internacional, prêmio dado por um jornal de Tóquio”, conta. “A charge, há 300 anos, desde que se consolidou junto com a mídia, a imprensa e o jornal, e agora com os meios eletrônicos, é a aplicação do desenho de humor à crítica. Ela é sempre crítica, e com quem? Com o poderoso do momento”, explica.
O cartunista Leandro Bierhals, conhecido como Hals, recordou que na época da ditadura militar os artistas eram obrigados a levar seus trabalhos para o departamento de censura autorizar ou não a publicação. “Hoje é o próprio cidadão que está censurando, o cidadão comum virou um censor”, afirma.
Durante a roda de conversa, os cartunistas comentaram sobre o E-Book com as charges censuradas que está em produção e será disponibilizado próxima semana. A publicação é uma iniciativa do Brasil de Fato RS, da Rede Soberania e do Instituto Cultural Padre Josimo, com apoio gabinete do vereador Marcelo Sgarbossa, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, da Federação Nacional dos Jornalistas e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Assista à transmissão da Roda de Conversa
Coletiva na Câmara
Mesmo em licença maternidade, a presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia, Aline Kerber, fez questão de estar presente na coletiva realizada na Câmara de Vereadores. “Estou aqui honrada porque é um tema muito caro para nós, e essa luta é para garantir a liberdade de expressão e uma educação plural e com acesso à cultura”, afirma.
Para ela, a reversão da censura foi a vitória da resistência que vem sendo construída desde o final de 2018. “A gente tem defendido com unhas e dentes, como leoas e leões, a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação, o direito à educação, o direito à cultura. É uma vitória ante essa cena, essas decisões políticas autoritárias e esse obscurantismo”, conclui.
O cartunista Santiago, que contribui com o Brasil de Fato RS desde seu lançamento em julho de 2018 e passou um tempo fora do país, disse que está de volta e pronto para a luta. “Tentei me desligar dessa ‘bagaceirice’ que virou o Brasil e quando resolvo abrir o Facebook, vejo que a nossa exposição tinha sido censurada. Esse país caiu em um poço fascista e fiquei preocupado. Agora estou voltando com a energia redobrada para dar um combate nessa escalada fascista”, afirma.
“Fiz questão de recebê-los pessoalmente para informar a decisão de não recorrer. Determinação judicial é para cumprir e não para discutir”, disse a presidente da Câmara, Monica Leal. “Eu acredito que essa casa comportaria uma exposição cultural de história. Ainda considero a exposição agressiva e ofensiva”, ressalta.
Para Marcelo Sgarbossa, proponente da exposição, a decisão é o restabelecimento da liberdade de expressão. A reversão da censura mostra “que a ideia de que uma autoridade pode dizer o que é e o que não é ofensivo é equivocada. Claramente as charges tratavam de uma crítica política, e isso está dentro da liberdade de expressão e da liberdade artística”, aponta.
Assista à cobertura da coletiva transmitida pela Rede Soberania
Edição: Marcelo Ferreira