O Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS) realizou no último final de semana o seu décimo congresso estadual na cidade de Bento Gonçalves. Com a presença de mais de 1,5 mil educadores eleitos para participarem do evento, o sindicato debateu entre 6 e 8 de setembro o momento da luta sindical no Brasil e a construção dos próximos passos da resistência em defesa da educação e da escola pública.
Ao final do evento, no domingo, os delegados aprovaram a Carta de Bento Gonçalves, em destacam que a categoria se encontra em “situação de miséria, adoecidos, acumulando empréstimos impagáveis, sem dinheiro para ir trabalhar, a depender da caridade de familiares e escolhendo entre comer e pagar as contas”.
“Contamos cinco anos sem qualquer reposição salarial, acumulando perdas inflacionárias superiores a ⅓ do poder aquisitivo desde novembro de 2014, data do último reajuste. A quarta maior economia do Brasil paga, a quem é responsável por educar seus filhos, o segundo pior salário básico do país. A defasagem em relação ao Piso Nacional chega a escandalosos 102%”, diz a carta.
O documento indica ainda a realização de uma nova paralisação da categoria. “Uma greve maciça, talvez a maior e mais importante da história da categoria, se aproxima. As sementes estão plantadas. Há, em todo o Rio Grande, educadores(as) prontos para deflagrar de imediato uma primavera de lutas. Mas as condições ainda não são homogêneas entre a categoria”, diz o documento.
A última greve dos professores e funcionários de escola do Rio Grande do Sul foi realizada em 2017, encerrada após 94 dias. Em abril deste ano, a categoria aprovou a entrada no estado de greve, reivindicando reposição salarial emergencial de 28,78%. Também foi aprovada a realização de um dia de paralisação a cada mês para marcar a continuidade dos atrasos salariais.
Confira a íntegra da Carta de Bento Gonçalves do X Congresso Estadual do CPERS:
Somos mais de 1.800 educadoras e educadores gaúchos, aposentados e na ativa, contratados e nomeados, reunidos em Bento Gonçalves para debater os rumos da luta sindical e da escola pública. Representamos professores, professoras, funcionários e funcionárias, especialistas e orientadores(as) de mais de duas mil instituições de ensino do Rio Grande do Sul.
Somos aqueles e aquelas que educam, alimentam e, no cuidado próprio de quem abraça a profissão, zelam pelo bem estar, o desenvolvimento intelectual e o amadurecimento de mais de 80% dos gaúchos e gaúchas em idade escolar.
Ensinamos a ler e a escrever. A interpretar e a contextualizar. A quantificar o mundo e qualificar suas inúmeras dimensões. A decifrar códigos, fazer contas e cruzar informações. A socializar e respeitar as diferenças. Ensinamos, enfim, a pensar e repensar, formular e criticar, a concluir, questionar e expandir. A viver em sociedade num mundo complexo, fraturado e desigual.
Somos e fomos centenas de milhares que construímos o passado, educando gerações. Que, no presente, abrimos as portas do conhecimento para mais de 800 mil crianças e jovens. E que, do chão da escola, assentamos os alicerces do futuro.
Somos a linha de frente de qualquer projeto de desenvolvimento. O contato mais duradouro de muitos, quase todos, com a educação formal. A resistência natural da civilização e da esperança ante o obscurantismo e a barbárie.
Somos, no entanto, no estado e no país, tratados como um fardo. Peso a ser enxugado, desvalorizado e dispensado. Sacrificados em um cruel desfile de prioridades trocadas.
Nós, educadoras e educadores gaúchos, estamos em situação de miséria, adoecidos, acumulando empréstimos impagáveis, sem dinheiro para ir trabalhar, a depender da caridade de familiares e escolhendo entre comer e pagar as contas.
No plano estadual, Eduardo Leite age para impor uma agenda violenta e privatista. Por trás da máscara, está a radicalização do projeto de Sartori; arrocho salarial, precarização dos serviços e das relações de trabalho, benesses a privilegiados, ataque brutal a servidores(as), enxugamento, sobrecarga nas escolas e mercantilização do ensino.
Contamos cinco anos sem qualquer reposição salarial, acumulando perdas inflacionárias superiores a ⅓ do poder aquisitivo desde novembro de 2014, data do último reajuste. A quarta maior economia do Brasil paga, a quem é responsável por educar seus filhos, o segundo pior salário básico do país. A defasagem em relação ao Piso Nacional chega a escandalosos 102%.
Amargamos, por 45 meses, a humilhação de pagar juros para receber o próprio salário, atrasado ou parcelado, à revelia da legalidade e da moralidade. Enquanto passamos fome, financiamos os cofres estaduais e o enriquecimento indecente de acionistas do Banrisul.
O patrimônio coletivo construído com os impostos de milhões de gaúchos e gaúchas é entregue à propriedade de poucos. Bancos registram lucros recordes, herdeiros acumulam fortunas, grandes empresas se beneficiam de isenções fiscais bilionárias sem qualquer transparência. Fecham-se escolas para abrir prisões.
Nossos direitos trabalhistas e previdenciários, concebidos e conquistados em lutas duras e históricas, são atacados como privilégios. Nosso Plano de Carreira, instrumento maior de valorização da categoria, é desrespeitado e ameaçado. Enquanto padecemos, os verdadeiros privilegiados, no topo da Justiça e do Legislativo, recebem salários vultuosos – em dia e reajustados ano a ano -, multiplicando a desigualdade.
Quem tem menos paga cada vez mais para sustentar a injustiça. Tentam fazer da penúria dos educadores(as) um modelo para o trabalhador precarizado: dócil e servil, vitimado por uma crise fiscal insolúvel e sem alternativas fora da agenda neoliberal. Somos usados para convencer a sociedade a aceitar qualquer medida, por mais virulenta que se apresente.
Mas a crise não é nossa, é do projeto neoliberal. A crise é o próprio projeto.
Com o pretexto de sanar um déficit que atravessa décadas, o governo Eduardo Leite insiste em remédios amargos, testados à exaustão e consistentemente reprovados. Há 20 anos, Britto inaugurou o experimento neoliberal no Rio Grande do Sul e afundou o estado em dívidas.
Da mesma forma, Sartori legou o maior rombo dos últimos 16 anos após quatro anos de arrocho sem precedentes.
No comando do país, o autoritarismo se agiganta e os símbolos nacionais são destruídos por um simulacro deturpado de patriotismo. Pensamento crítico, soberania e emancipação são ameaças para quem deseja um Brasil sem futuro.
A Amazônia queima. Educadores são perseguidos e criminalizados. Livros são expurgados. O orçamento da educação sofre sucessivos cortes. Paulo Freire, de renome internacional, é caluniado e transformado em pária.
Nós trabalhamos para realizar o sonho de milhares de jovens: acessar o Ensino Superior, produzir conhecimento e renda, crescer e construir as condições para uma vida melhor. Fechar as portas das universidades é condenar a nação ao subdesenvolvimento e ao obscurantismo.
O fenômeno bolsonarista se alimenta de ódio, mentiras e inimigos fantasmas. Estimula a violência, generaliza a intolerância e exalta ditaduras e torturadores. É um caminho impossível para quem sonha com um futuro mais justo, democrático e solidário.
No estado e no país, creem nos empurrar para o imobilismo e a desesperança. Mas ignoram uma das mais valiosas lições destes 74 anos de história do CPERS: a luta sempre vale a pena.
Em setembro, após meses de denúncias e um árduo processo de mobilização, arrancamos do governo Leite a garantia de não demitir contratados no fim do ano e renovar os contratos por tempo determinado, bem como a previsão de concurso público e mais agilidade no pagamento de quem ingressa na rede.
A vitória demonstra que são tempos de coragem. Não há saída possível fora da mobilização coletiva. No campo áspero da luta de classes e da disputa de narrativas, responderemos com as nossas armas. Seremos a mais firme e insubmissa resistência.
Uma greve maciça, talvez a maior e mais importante da história da categoria, se aproxima. As sementes estão plantadas. Há, em todo o Rio Grande, educadores(as) prontos para deflagrar de imediato uma primavera de lutas. Mas as condições ainda não são homogêneas entre a categoria.
Precisamos alcançar outro patamar de mobilização e isso não se dará de forma automática. Será necessário dialogar intensamente com a base e sensibilizar colegas, alunos e pais em todo o Rio Grande do Sul. Será preciso denunciar a injustiça, mostrar as consequências do descaso, anunciar a irracionalidade de quem sacrifica o futuro do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Será preciso redobrar as forças e as esperanças.
“Como programa”, escreveu Paulo Freire, “a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo”.
Por isso lutaremos, também no sentido freiriano, “com raiva, com amor, sem o que não há esperança”. A esperança não é teimosia, mas um imperativo existencial e histórico.
A greve é inevitável. Cabe a nós construirmos as condições para que seja, também, vitoriosa.
Avante educadores, de pé!
Educar é lutar e resistir.
Edição: Sul 21