Mesmo com o adiamento do Ato Nacional em defesa da Educação e da Amazônia convocado pelos estudantes em Porto Alegre, por conta do tempo chuvoso que se abateu sobre a região neste feriado da Independência (7), cerca de duas mil pessoas se reuniram no Parque da Redenção e saíram em caminhada pelas ruas da cidade. Os manifestantes, assim como nas outras 131 cidades brasileiras que registraram protestos e manifestações da 25ª edição do Grito dos Excluídos, denunciaram as ações do atual governo contra a educação pública e a soberania nacional e o desmatamento na Amazônia.
A concentração teve início às 15h. Ao chegarem no ponto de encontro, todos vestindo roupas pretas em luto e luta pelo Brasil, os manifestantes se depararam com centenas de militares, carros e caminhões do exército ao redor do Monumento ao Expedicionário, que participavam do encerramento da Semana da Pátria. O sentimento inicial de tensão aos poucos deu lugar a faixas, gritos de ordem e discursos realizados mesmo sem aparelho de som.
A ex-deputada pelo PCdoB Jussara Cony fez referência aos militares presentes. “Eu estou olhando aqui e nós somos muito mais do que eles, que também são brasileiros e, assim como na ditadura militar, estão cumprindo ordens”. Segundo ela, o atual momento é um dos mais difíceis. “Estamos vivendo hoje um estado ultraneoliberal, fascista na política, retrógrado nos costumes, entreguista da soberania nacional. O que está em jogo é a nação brasileira, é a nossa Amazônia e a nossa riqueza maior, que é a diversidade humana e cultural do povo brasileiro”.
“Aqui estão professores, pais, mães, trabalhadores, alunos, para protestar contra as políticas públicas que o governo vem adotando para o Brasil“, disse Lúcio Olimpio de Carvalho Vieira, presidente da ADUFRGS-Sindical. “São políticas que permitiram que a Amazônia pegue fogo, que estão destruindo o nosso patrimônio, são essas políticas que estão entregando o Brasil. Estão tirando o direito de sermos brasileiros, quem assistiu hoje de manhã o presidente, em Brasília, fazendo continência para bandeira americana antes da bandeira brasileira?” questionou, o que gerou uma grande vaia a Bolsonaro.
Para o secretário de Comunicação da CUT-RS, Ademir Wiederkehr, a luta não é só de resistência, mas uma jornada para ganhar a população brasileira que está em dúvida sobre o que fez do seu voto nas eleições de 2018. “É por isso que nós devemos ter esse compromisso, nesse dia da Pátria, que não é dia de milico, nem um dia da independência, senão um dia para reforçar a nossa disposição e militância para trazer de volta o Brasil para o desenvolvimento voltado para seu povo, com desenvolvimento social, liberdade, não existe um país soberano sem Ciência e Tecnologia”, ressalta.
Nesse sentido, a diretora do Sindicato dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – SINPRO/RS, Margot Andras, entende que a militância deve estar junto dos excluídos, que têm aumentado no último ano. “Nosso papel é ir para as comunidades fazer essa discussão porque também foi a nossa ausência lá que colocou esse senhor aonde ele está. Temos também a responsabilidade da manutenção das políticas públicas do nosso país, temos que garantir o SUS, a educação pública de qualidade, as pesquisas nas universidades, a autonomia da educação pública”, afirma.
Charges censuradas
Os cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do Rio Grande do Sul) levaram ao ato as charges que faziam parte da exposição que foi censurada, nessa segunda-feira (2), na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. A ideia era expor as obras em um varal junto ao monumento, o que não pôde ocorrer devido ao evento das forças armadas. Leandro Bier Hals Bezerra, o cartunista conhecido como Hals, comentou: “Está sendo promovido por uma Liga de Defesa Nacional. Eu não sei defesa do quê, deve ser defesa contra a gente, porque o resto do país está sendo de dilapidado em todas as áreas”.
Sobre o encerramento da exposição, a pedido da presidente da Câmara, vereadora Mônica Leal (PP), ele afirma que “é censura mesmo, não existe outro nome para isso. Em compensação, a partir daí a rede de solidariedade criada em torno disso foi tão grande que por um lado tivemos uma perda, mas gerou um ganho muito maior”. Segundo Hals, já existem convites para exposição na Assembleia Legislativa do RS e na França, através de um comitê francês Lula Livre, além de um e-book que está em edição por um grupo de instituições, entre elas o Brasil de Fato RS.
Caminhada pelas ruas
Por volta das 16h30, de forma espontânea, os manifestantes saíram em caminhada pelas ruas da cidade. Inicialmente, o ato percorreu a Redenção pela avenida Osvaldo Aranha, mantendo uma pista livre para os carros. Muito apoio foi registrado, tanto de quem estava nos veículos quanto de pessoas nas janelas dos apartamentos. A caminhada passou pelo campus central da UFRGS.
Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Fabrício da Silva Scheffer ressaltou os cortes e ataques à educação, que atingem milhares de estudantes. "Eu vejo os alunos do Instituto Federal muito preocupados. Eles estão se mobilizando sem precisar de nenhum professor, como se diz que nós ficamos estimulando. Eles mesmos estão vendo que não tem dinheiro mais para bolsas, muitos alunos precisavam dessas bolsas inclusive para se deslocar até o campus. Daqui um pouco não vai ter mais merenda nem papel higiênico no campus. Então fica inviável a instituição pública se manter com os cortes de verbas como aconteceram", explica.
“É o primeiro 7 de setembro com esse presidente que está aí, que não representa a sociedade brasileira”, lembrou Célio Golim, coordenador da Ong Nuances. “A gente está na rua para protestar contra todos os retrocessos que vêm acontecendo no país. Em especial para mim que sou militante LGBT, nossas pautas que nunca tiveram tanto retrocesso e agressão, pois o governo utiliza as pautas morais como barganha política para se fortalecer junto com setores conservadores. É lamentável que estejamos vivendo esse cenário político depois de muitos anos de conquistas e avanços”, aponta.
Sob o viaduto da João Pessoa, em frente ao campus central da UFRGS, em nova parada, um novo momento de falas. Entre elas, ao lado de outras mulheres, Jussara Cony ressaltou a importância da mulher nas lutas pela democracia e direitos. “Ao longo da história desse país, nós mulheres sempre tivemos na frente das lutas libertárias, e hoje mais do que nunca. Naturalmente que nós, mulheres emancipacionistas, entendemos a luta lado a lado dos nossos camaradas, companheiros, homens”, afirma.
Para ela, estamos vivendo um momento cruel da vida da nação. “É o momento que nós temos que retomar a história da nação brasileira porque agora é um retrocesso nas conquistas, nos direitos, no estado democrático de direito, na democracia, na soberania, no significado da riqueza dessa nação. Estamos forçando a unidade e a amplitude para forjar uma grande resistência”, finaliza.
Após, em menor número, manifestantes percorreram ruas da Cidade Baixa, encerrando a manifestação na rua José do Patrocínio com a promessa de não sair das ruas na defesa dos direitos.
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Edição: Marcelo Ferreira