Em 28 de agosto de 1979, a Lei de Anistia foi sancionada pelo General Figueiredo. Ela nasceu de uma reação da ditadura militar à crescente mobilização social pela anistia dos presos políticos, pelo retorno dos exilados e a responsabilização dos agentes da repressão. Porém, além de libertar os presos políticos e trazer de volta os exilados, a lei elaborada pelo governo veio acrescida de um parágrafo que anistiava também os “crimes conexos”, com o que os torturadores, sequestradores e assassinos de farda jamais foram julgados. Ficaram impunes.
A campanha pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita teve início em 1975, com o Movimento Feminino pela Anistia. Lideradas por Therezinha Zerbini, mães, irmãs, filhas, esposas e amigos de perseguidos pela ditadura conseguiram 16 mil assinaturas pedindo liberdade aos presos políticos. Rapidamente ganhou a adesão de vários setores sociais, entre eles a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB,) as Comissões de Justiça e Paz, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Junto, vieram greves operárias e o movimento estudantil. Então o regime militar cedeu, mas sob a condição de ficar impune, e o desejo que a mesma fosse ampla, geral e irrestrita não se concretizou.
Passados 40 anos da promulgação da Lei de Anistia, o Brasil se vê novamente sob um governo que exalta o autoritarismo e ataca a memória e os direitos do seu povo. Fruto, segundo todos os entrevistados pelo Brasil de Fato RS, da conciliação que deu fim ao regime militar e colocou a história de resistência, lutas, torturas, desaparecimentos e perseguição para baixo do tapete.
Raul Carrion: “De quê que eu deveria ser anistiado? Por defender a Constituição?”
Mesmo não sendo ideal, a lei foi aceita a contragosto para que os que partiram pudessem retornar, para os que ficaram pudessem retornar à atividade política aberta e à vida “normal”, aponta o ex-deputado pelo PCdoB, Raul Carrion. Para ele, ter sido um preso político durante a ditadura militar foi seguir a luta, só que em uma trincheira muito mais difícil, onde o inimigo estava com "a faca e o queijo na mão" e ele, indefeso mas armado da verdade e da justiça. “A batalha foi para que o inimigo não conseguisse adonar-se dos segredos partidários e golpear outros camaradas. De minha parte, tenho o orgulho de tê-los derrotado nessa luta desigual!”, afirma Raul, que também é historiador. Quando a anistia foi anunciada, ele se encontrava morando clandestinamente em Goiânia, trabalhando como técnico eletrônico em uma empresa, com o "nome frio" de Silvio Augusto Ferreira.
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Mara: “Nunca se teve correlação de forças suficiente para punir os militares”
Dessa vez em outro contexto político e social, não pela força, mas pelo voto, o Brasil tem novamente os militares no governo. Depois de 21 anos de ditadura militar, com suas perseguições, prisões ilegais, torturas, assassinatos e desaparecimentos, a pergunta é óbvia: como? Refletindo sobre isso, a anistiada Antônia Mara Vieira Loguercio, de 72 anos, entende que a conscientização do povo não chegou a ser feita, não deu tempo de ser feita: “Nunca se teve no Brasil, e este foi o problema, correlação de forças suficiente para punir os militares”. Juíza do trabalho aposentada, ex-presa política e anistiada, ela foi presa pela primeira vez pelo regime militar em Ibiúna (BA), durante o 30ª Congresso da UNE. Para ela, “passados 40 anos da Lei da Anistia, a questão fundamental é que ainda não houve correlação de forças para fazer isso, julgar os torturadores”.
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Raul Pont: “Não podemos perder a memória”
O ex-prefeito de Porto Alegre, e também ex-preso político, Raul Pont, foi preso e torturado na ditadura militar. Conforme sua avaliação, a cada momento crítico da história brasileira, há uma situação de conciliações, acordos, negociações, que acabam criando mecanismos. “A anistia foi um grande acordo em que houve o reconhecimento do regime militar, reconhecimento das responsabilidades do Estado, ao menos parcialmente. Mas, ao mesmo tempo, se estendeu para quem torturou, prendeu sem culpa formada, quem exerceu o arbítrio. Tivemos aí, mais uma vez, um acordo dentro do Congresso que estendeu como se fossem paralelos, como se fosse a mesma coisa, a anistia para os dois lados. Não existia dois lados”, ressalta.
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Nilce: "Tem que construir a história desse país junto com a justiça e a memória"
Durante a clandestinidade, Nilce Azevedo Cardoso vem parar em Porto Alegre, em 1969. Três anos depois, é sequestrada em uma parada de ônibus. Desde o primeiro momento, foi agredida e, por cinco meses e meio, sofreu as mais diversas torturas, ora pelo mando de Pedro Seeling, ora assistida por Ustra. Como ver flores, sentir o sol, ver a lua nesse lugar? Nilce afirma que foi só assim que conseguiu suportar horrores das prisões e torturas. Ela foi uma das presas políticas de Porto Alegre mais brutalmente agredidas. O contato com a militância ocorreu quando entrou na USP para cursar física. A partir dali, fez parte primeiramente da Juventude Universitária Católica (JUC), depois da Ação Popular (AP). No contato com a classe operária, afirma ter aprendido muito com as mulheres nas fábricas por onde passou. Hoje, aos 74 anos, ela conversou com o Brasil de Fato sobre aquele período e sobre a importância de lutar pela preservação da memória, verdade e justiça, destacando o papel fundamental das mulheres durante o processo.
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Raul Ellwanger: "Os crimes seguem existindo, esses caras todos têm que ser julgados"
Nos anos 60, o cantor e compositor Raul Ellwanger estava nas finais dos festivais de música e também militava. Era o começo da carreira artística, época de convites para festivais, apresentações em estádios. No festival da Record, não pôde comparecer, pois poderia ser preso. Nesse período, exilou-se. Na militância, seu grupo deu origem à Val-Palmares. Em 1970, exilou-se no Chile, até o golpe naquele país. Foi então para a Argentina, onde também ocorreu um golpe. Com o fim das perseguições, a volta do exílio, já com 30 anos, teve que começar de novo. Fazer jingles para agência de publicidade, showzinhos e, finalmente, gravou o disco Paralelo 30, ao lado de outros artistas gaúchos. O primeiro disco, "Teimoso e vivo", veio em 1979. Relacionando a não punição dos torturadores com o atual cenário político, ele diz: “A impunidade do criminoso estimula o crime”.
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Flávio Koutzii: “Não teve um processo de reflexão mais horizontal no Brasil”
O apreço pelo tango não é a única coisa que une Flávio Koutzii à Argentina. Ex-exilado político, ficou preso no país vizinho durante os anos de 1975 a 1979. Como ele aponta, a prisão ter sido feita um ano antes do início da ditadura salvou sua vida. Através das mobilizações dos comitês de anistia do Brasil e das mobilizações estrangeiras, ele conseguiu a liberdade. Da Argentina, o ex-deputado, seguiu para Paris, onde viveu por cinco anos, lá se graduou em sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, da Universidade Sorbonne. Ao todo ele ficaria 14 anos longe do Brasil. Na primeira parte da entrevista, ele compartilha a realidade vivida nos dois países. Ao falar em leis da anistia, é quase inevitável não traçar um paralelo entre os dois países. Flávio o faz contando que, enquanto lá se levou o país a rever sua lei e punir seus torturadores, aqui isso ainda não foi possível.
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Devido a uma correlação de forças frágeis, não se conseguiu julgar os militares responsáveis pelas prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos no Brasil, aponta. “Nós temos hoje um ditador eleito, um capitão, e de outro lado o exército está no governo. Se o exército tivesse sido julgado como foi na Argentina, ele nem estaria, e faria diferença, sem dúvida nenhuma. A anistia ficou nos limites que ficou porque já sabemos que não havia condições de ir mais longe". Koutzii avalia que, no presente, há uma "tentativa que está sendo materializada aqui e em outros lugares, que é de absolutamente consolidar a contra-revolução, numa absoluta dominação hegemônica".
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Izabela: "O problema do Brasil é que nunca houve uma ruptura real"
Izabela Juliana de Castro Duarte Paz tem 55 anos, é professora de história e tradutora de espanhol. Passou sua primeira infância exilada no México, junto com seus pais, Francisco Julião e Regina Castro, e seus dois irmãos. Nascida no meio de uma família de militantes políticos e sociais, ela foi a última filha de Julião, uma das lideranças das ligas camponesas do período após a 2ª Guerra Mundial. Para ela, o significado da Lei da Anistia é poder ter de volta no país sua família e amigos. Nessa entrevista que encerra o especial “40 anos da Lei da Anistia”, ela fala de sua infância, do processo de deixar o país onde foi batizada, da sua militância e da sua rebeldia ao quebrar a saga da família paterna pedetista e brizolista. E da importância da criação de uma Frente Popular para a retomada da democracia.
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Edição: Marcelo Ferreira