O Grito dos Excluídos, tradicional manifestação popular realizada em todo o país que denuncia a exclusão social em meio às celebrações da independência do Brasil no dia 7 de setembro, chega a sua 25ª edição tendo como tema “Vida em Primeiro Lugar” e lema “Este sistema não vale: lutamos por justiça, direitos e liberdade”. No Rio Grande do Sul, a mobilização ocorre neste sábado, na Vila Santo Operário, bairro Mathias Velho, em Canoas.
Conforme entrevista coletiva realizada pelos organizadores no Plenarinho da Assembleia legislativa do RS, na tarde dessa segunda-feira (2), o ato tem início marcado para as 14h30 e vai percorrer 2,5 quilômetros por dentro da vila, que foi berço, há 40 anos, da primeira grande ocupação urbana no Estado. Vai denunciar o cerceamento da liberdade, a retirada de direitos conquistados, a volta da fome, o aumento do desemprego e da violência contra a população mais pobre e contra grupos sociais historicamente discriminados no Brasil.
Historicamente, o Grito dos Excluídos acontecia logo após o desfile de 7 de setembro. Em Porto Alegre, nos dois últimos anos, foi realizado na Rótula das Cuias. Este ano, porém, a organização resolver trocar o local da manifestação. Segundo Egidio Fiorotti, são dois os motivos: “O primeiro é que decidimos ir ao encontro de um ambiente de exclusão. O segundo é que 2019 marca os 40 anos do início da história das ocupações no Rio Grande do Sul. Em 1979, as ocupações da Santo Operário, em Canoas, e da fazenda Macali, em Pontão, deram início ao processo de grandes ocupações de terra no Estado, em busca de uma alternativa de vida para milhares de pessoas”.
Greice Machado, do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD), lembrou que uma em cada quatro pessoas desempregadas procura emprego há, pelo menos, dois anos. “Os números do IBGE mostram que a taxa de desemprego atualmente é de 11,8 %. São 12,6 milhões de desempregados”. Apesar disso, ressalta “nós não lutamos só por empregos, mas por educação, moradia, e todos os direitos enquanto cidadão”.
O secretário de comunicação da Central Única dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul (CUT-RS), Ademir Wiederkehr, ressaltou que, em três anos de golpe, já ocorreram uma série de ataque aos direitos dos trabalhadores. “Que esse grito que vamos dar no dia 7 ecoe por todo o país e acorde aqueles que ainda não acordaram. Estamos vendo a precarização do trabalho depois da reforma trabalhista do golpista Temer, essa reforma está trazendo efeitos perversos, reduzindo direitos, reduzindo salários. É o grande grito que os trabalhadores querem dar por mais empregos. Também é o grito pela educação pública, contra os cortes, por saúde, contra o desmonte, em defesa do SUS, contra a reforma da Previdência e em defesa da aposentadoria”, aponta.
As reformas e os retrocessos que estão acontecendo hoje no Brasil recaem principalmente sobre os ombros das mulheres, afirma Nana Sanches, da ocupação Mulheres Mirabal. “Hoje, a ministra Damares não só nega que existe violência no país, como contingencia verba para casa de acolhimento e abrigamento das mulheres. A gente está sentindo isso ao analisar os dados que, surpreendentemente, saem pelo próprio ministério sobre o aumento do feminicídio e da violência doméstica no país”, destaca.
Para ela, as pessoas estão sentindo os retrocessos e, por isso, mais trabalho de base é necessário para organizar as pessoas, por isso a importância do Grito. “Eu tenho muito receio desse discurso de medo que tem vencido nossos debates. Não podemos ter medo da brigada, ter medo da polícia. Temos que ter medo da fome, da miséria que está voltando para o nosso povo. Acho importante a gente reverter esse discurso de derrota. A gente precisa agora uma palavra de coragem, relembrar os nossos heróis e heroínas que morreram na ditadura, pela mão do Estado que está aí, de novo, matando as pessoas”, denuncia Nana.
Os projetos de megamineração que pretendem se instalar no RS também estão entre as pautas do Grito. Michele Ramos, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), diz que será uma oportunidade de alertar sobre os mais de 22 mil requerimentos de áreas do Estado, os 166 projetos que já estão em fase de autorizações de pesquisa e concessões de lavras e os 4 que estão em fase de licenciamento ambiental: São José no Norte, para mineração de titânio; Lavras do Sul, para mineração de fosfato, Caçapava do Sul, para mineração de Chumbo; e a 15 km de Porto Alegre, o projeto da Mina Guaíba, da Copelmi.
“Vamos mostrar para a população o risco de se assumir um projeto desses de mineração. Assumir um projeto de mineração de carvão a céu aberto aqui do lado de Porto Alegre, por exemplo, é colocar em cheque a qualidade de vida e o abastecimento público de água. Temos tentado construir esse debate, já que para se chegar no carvão, a mineradora vai ter que desviar os lençóis da água”, aponta Michele.
Davison Soares, morador do Quilombo dos Alpes e integrante da Federação Quilombola do Rio Grande do Sul, trouxe a angustia dos povos tradicionais referente à titularização de terras, “algo que está cada vez mais difícil”. Segundo ele, o governo faz fazendo um desserviço ao dizer que, se depender dele, as comunidades quilombolas e indígenas não terão mais nenhum palmo de terra. “Isso causa uma indignação na gente, porque temos uma cultura naquele espaço, naquele território, temos raiz naquele local. Muitas comunidades quilombolas preservam a natureza do local, sobrevivem dela, temos agricultores, por isso a gente se soma ao grito”.
O professor e advogado do coletivo ANGLICANXS+, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Goddman Andrade Santos, lembrou da violência e discriminação homofóbica. “Enquanto excluídos de uma sociedade, a gente consegue entender o nosso papel de privilegiados porque a gente sabe que são inúmeras as instituições que não recebem e não aceitam os integrantes em sua plenitude os integrantes LGBT, mas a Igreja Anglicana abriu essa porta”.
“A gente se soma ao Grito dos Excluídos, somos uma população que é historicamente excluída da sociedade, avançamos muito e também retrocedemos em algumas coisas nos últimos meses. Eu tenho 32 anos e nunca tinha sido agredido até este ano. Então é a legitimação do discurso do ódio, da exclusão”, conclui Goddman.
Confira a transmissão da coletiva pela Rede Soberania:
Edição: Marcelo Ferreira