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Uruguai: A necessidade de reinvenção das esquerdas

Ao lado de Argentina e Bolívia, país tem o desafio de frear restauração conservadora na América Latina

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Frente Ampla, para renovar projeto político e vencer eleições, enfrenta marqueteira direita que tenta se “conectar” com o povo
Frente Ampla, para renovar projeto político e vencer eleições, enfrenta marqueteira direita que tenta se “conectar” com o povo - Foto: Reprodução

Depois de quase 15 anos e três governos da Frente Ampla, o Uruguai encara sua eleição presidencial mais difícil. Eleições convertidas em um plebiscito, como em outros países do ciclo progressista, entre a continuidade do processo de transformação ou a restauração conservadora.

Fará isso, pela primeira vez, sem a presença de nenhuma das figuras históricas como candidato. Nem Pepe Mujica, nem Tabaré Vázquez nem Astori estarão na cédula da Frente Amplio no dia 27 de outubro.

O contexto é complexo e parecido ao de outros países da região: estancamento econômico, meios de comunicação como principal partido de oposição, judicialização da política e a presença, cada vez mais importante, de igrejas evangélicas, sobretudo no norte do país.

Mas há algumas características próprias desse pequeno país do Cone Sul. Vamos analisar cinco delas.

Os candidatos. Mais que votar candidatos, elegem-se diferentes projetos de país — e no campo da direita temos um vasto menu: evangélicos, outsiders, empresários ou um partido militar. Tudo isso ao lado do Partido Rosado, uma combinação entre Partido Nacional e Partido Colorado, em uma eleição em que, além dos candidatos de ambos partidos, Lacalle Pou e Talvi, somam-se desta vez milionários empreendedores como Edgardo Novick ou o ex-comandante em chefe do Exército nacional e defensor de torturadores, Guido Manini, que conta com o apoio de setores da Igreja católica.

Enquanto a direita, dividida, empurra o eixo político-ideológico e discursivo para a direita, a Frente Ampla teve que correr para o centro, prova disso foi a indicação do ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez, do Partido Socialista, como candidato, passando cima de quadros de esquerda como Carolina Cosse (proposta pelo MPP [Movimento de Participação Popular] nas internas da FA) ou do líder operário e militante comunista, Óscar Andrade, um dos quadros de futuro da Frente Amplio.

Profundidade ou amplitude. Uma Frente Ampla que sempre se caracterizou por ter amplitude, algo que tem sido muito efetivo em determinados momentos da história por incorporar diversos setores de um amplo arco político-ideológico, mas também fez com que outros momentos perdessem sua profundidade e concretude em seu projeto político. E, ainda que os dois primeiros governo de Pepe Mujica e Tabaré tenham tido profundos avanços, como a Reforma Tributária e a Reforma da Saúde, a realidade é que hoje, com uma composição de 34 organizações política, sua amplitude se converteu em um fardo para conquistar um necessário aprofundamento em seu projeto político e, por sua vez, o aprofundamento se converteu em um fardo eleitoral, pois no cenário eleitoral das campanhas de marketing e redes, são os Lacalle Pou e Talvi quem se movimentam melhor que a Frente Ampla.

É a demografia, estúpido. Calcula-se que cerca de 40% dos votos da Frente Amplio nas eleições de 2004 e 2009 provinham de pessoas jovens, menores de 30 anos, que se identificavam com a esquerda e, por extensão, com a FA. Mas hoje em dia os eleitores jovens, especialmente os novos eleitores, que nessa eleição vão ser 10% do eleitorado (250 mil pessoas), cresceram sob governos da Frente Ampla e, por isso, atribuindo a presença do Estado, a ampliação de direito e a redistribuição da riqueza como algo inerente a suas vidas.

A gestão não é sexy. Durante muito tempo os comitês de base foram um pilar fundamente de uma Frente Ampla que tem assistido ao esvaziamento de quadros para serem conduzidos ao governo. Construiu-se bairro por bairro uma vitória cultural antes de se conquistar a primeira vitória eleitoral. Mas, como na política não tem espaços vazios, essas formas de proximidade com o povo já começam a serem utilizada pela direita (não há mais nada a ver com o exemplo do PRO, na Argentina, com os buzinaços). Da mesma forma, o simples fato de fazer uma gestão correta (ou, inclusive, boa como no caso da Bolívia) não é suficiente para as massas que votam, especialmente os jovens.

Contexto regional. Para um país como Uruguai, afeta-o muito a situação político-econômico de seus vizinhos. E. mesmo que a direita não possa agitar a bandeira de uma Argentina em crise como exemplo, a bolsonarização da política é também um fato, com a campanha mais suja e cheia de fake news de sua história eleitoral. Mesmo que na Argentina possamos ver que as mudanças não são irreversíveis, no Uruguai o desmonte da política industrial ou salarial seria mais rápido, ao mesmo tempo em que as experiências vizinhas acentuam a tendência de fazer políticas econômicas pouco audazes, para não dizer conservadoras, mesmo se ganha a Frente Ampla.

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Estas são os principais elementos de uma eleição que, possivelmente, se resolverá em um segundo turno, possibilidade que aproximaria o triunfo a uma direita que se uniria para enfrentar a FA.

Nesse cenário, é necessário ter clareza que as derrotas eleitorais sempre são posteriores às derrotas políticas. E, caso ganhe e se abra a possibilidade de um quarto mandato, encontraremos um governo em disputa, mas também um Uruguai que, junto com Argentina e Bolívia, poderia ratificar em 2019 a continuidade do ciclo progressista latino-americano.

* Tradução de Rôney Rodrigues 

* Katu Arkonada é cientista político especializado em América Latina

Edição: Outras Palavras