A cada revelação, ficam mais evidentes os interesses políticos e econômicos
As revelações, feitas pelo site The Intercept, das conversas mantidas, por meio do aplicativo Telegram, entre o procurador federal Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato, e o então juiz de primeira instância Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, explicitaram o processo de deterioração das instituições públicas em curso no Brasil e desnudaram o papel de relevo desempenhado nesse processo por agentes do sistema persecutório penal brasileiro, aqui referido como sistema judicial.
A cada nova rodada de revelações, que estão sendo feitas a conta-gotas por alguns dos maiores veículos de comunicação brasileiros (inclusive por alguns que antes apoiaram intensamente a Lava Jato e Moro, como a Folha de São Paulo e a revista Veja, e que agora verificaram e atestaram a veracidade das mensagens), fica mais claro que também delegados da Polícia Federal, integrantes da Procuradoria da República, desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (instância judiciária imediatamente superior a então ocupada por Moro) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se mancomunaram ou foram coniventes com a prática de ilicitudes jurídicas.
A cada revelação, ficam mais evidentes os interesses políticos e econômicos destes agentes públicos que, a pretexto de combater a corrupção, promoveram ações que colaboraram para a deposição da presidenta Dilma Rousseff e levaram à prisão o ex-presidente Lula da Silva, abrindo as portas para a possibilidade da eleição de Jair Bolsonaro e, com ele, a adoção de políticas de desmonte do Estado e de afronta à soberania nacional brasileira e sul-americana. O conluio agora identificado e que sugere a articulação de um complô de abrangência ainda não dimensionada, entre outros efeitos nefastos ao Brasil e aos países da região, possibilitou o desmantelamento da Unasul e o enfraquecimento do Mercosul.
Na tentativa de negar os crimes cometidos, Dallagnol e Moro ora declaram que foram vítimas de um “hacker criminoso”, que adulterou e retirou de contexto as mensagens trocadas pelos procuradores entre si e com o juiz que haveria de julgar os réus por eles acusados, ora afirmam que apagaram os arquivos e que não se lembram do conteúdo das conversas mantidas, ora asseveram, aparentemente sem se dar conta da contradição e da gravidade dos delitos que indiretamente confessam, que as conversas apenas confirmam a praxe estabelecida no relacionamento entre acusadores e julgadores na Justiça brasileira.
Segundo a avaliação manifestada publicamente por esses agentes públicos e que tem sido corroborada por integrantes da cúpula do sistema judicial brasileiro, são “normais” ações que revelam: a) a combinação de estratégias de investigação e de acusação realizada entre procuradores, delegados e juízes federais; b) a retenção de provas capazes de promover a inocência ou de provocar a condenação de réus selecionados segundo critérios explicitamente políticos; c) o não envio de processos às instâncias judiciais adequadas; d) a entrega de dados sob segredo de Justiça à imprensa nacional e internacional com o intuito declarado de interferir nas ações políticas em mais de um país da região; e) a disposição de obtenção de benefícios financeiros com a exploração da notoriedade decorrente das ações da Operação Lava Jato, entre outras.
Não é surpreendente, portanto, que Moro esteja acionando o COAF, órgão de fiscalização financeira do governo federal, para investigar a vida econômica de Glenn Greenwald, editor do The Intercept, numa atuação típica de um Estado policial que não respeita a liberdade de imprensa e o direito ao sigilo das fontes. Não surpreende também o comportamento da Procuradora Geral da República, Rachel Dodge, superiora de Deltan Dallagnol e dos integrantes da Força Tarefa da Operação Lava Jato, que os chamou para uma reunião na qual expressou apoio institucional à equipe e informou a instalação de inquérito pela Polícia Federal para identificar os responsáveis pelo “crime cibernético” de invasão dos seus celulares funcionais e “garantir a segurança da informação”.
Dallagnol poderá ser advertido ou até mesmo receber alguma punição (a pena máxima passível de ser aplicada no Brasil a procuradores e juízes é a aposentadoria com a preservação do seu salário integral!). Moro dificilmente perderá o cargo de ministro e, não obstante possa parecer uma afirmação absurda, sua indicação ao STF (prometida por Bolsonaro quando o convidou para o seu ministério) poderá ser adiada, mas dificilmente deixará de acontecer.
Não obstante pesquisas de opinião realizadas recentemente apontem queda na popularidade de Moro e apontem que mais da metade dos eleitores, que anteriormente aprovavam suas ações, passaram a condená-las e a considerar que elas devem ser revistas, dificilmente haverá reversão dos seus atos.
Tudo indica que a liberdade de Lula, o maior prejudicado pessoalmente pelos desmandos da Operação Lava Jato e pela deterioração do sistema judicial brasileiro, só terá chance de ocorrer se a Academia da Noruega lhe conceder o Prêmio Nobel da Paz e/ou se o Comitê de Direitos Humanos da ONU condenar o Brasil pela parcialidade dos seus julgadores e prática de lawfare e exigir sua libertação. Isso talvez crie uma situação política que não possa ser ignorada pelo STF e o leve a rever a decisão tomada durante a campanha eleitoral de não cumprir as determinações daquela corte internacional.
Edição: Marcelo Ferreira