Rio Grande do Sul

Observatório da Educação

“É preciso colocar a Educação no centro das políticas públicas”

Observatório da Educação Pública do RS busca realizar um retrato da educação gaúcha nos últimos dez anos

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Lançamento do levantamento aconteceu nesta terça-feira (17), na Assembleia Legislativa do RS
Lançamento do levantamento aconteceu nesta terça-feira (17), na Assembleia Legislativa do RS - Fotos: Fabiana Reinholz

A Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS (ALRS) lançou, nesta terça-feira (16), o Observatório da Educação Pública no Rio Grande do Sul. Trata-se de um caderno que traz a radiografia da educação nos últimos dez anos, apresentando indicadores e cruzando os dados da educação pública do Estado com os parâmetros nacionais. O material foi elaborado com dados de diferentes instituições, como a Secretaria da Fazenda do Estado, a Secretaria da Educação, a Secretaria de Planejamento e Gestão, o Ministério da Educação (MEC), o INEP, o Ministério Público e o Tribunal de Contas. O lançamento ocorreu no Salão Júlio de Castilhos da ALRS.

A presidente da Comissão, deputada Sofia Cavedon (PT), explicou que o observatório surge da necessidade de avaliar a educação de maneira menos impressionista, menos pontual. “Para que nossa comissão de educação possa incidir com consistência na educação estadual, é preciso que se olhe todos os elementos que concorrem para essa educação. O papel da Assembleia, de fiscalizadora, vai ser facilitado com a esquematização desses dados, porque são dados que não são fáceis de encontrar”, aponta.

Conforme ressaltou Sofia, a iniciativa é multipartidária, multiprofissional e de diferentes interesses e inserções sociais: “Não é um observatório que tem lado, opiniões. Ele tem dados gráficos que falam por si e que vão gerar muita possibilidade de reflexão. Ele vai desde o investimento em educação, que salta aos olhos, que é um desinvestimento, à questão de infraestrutura e evasão escolar, por exemplo”. O relatório pode ser acessado aqui.

Diagnóstico desalentador da educação gaúcha

Na avaliação de Sofia, a Educação Pública no RS está um desastre, na maioria dos aspectos, com carências que começam já na estrutura física das escolas, com a diminuição de salas de informática e acesso à tecnologia, assim como a redução de espaços para a prática de esportes. “Antes, 73% escolas tinham quadra de esporte, hoje esse percentual baixou para 42%. A estrutura vai degradando, ou os prédios caem”, afirma.

Outro ponto levantado pela deputa foi a diminuição do número de concursados e aumento dos temporários. “Em 2006, tínhamos 13% de contratos temporários, em 2019, subiu para 31%; em relação aos funcionários não docentes, o que era 0,73% de terceirizados passou para 42%,” expõe.

O documento também analisa o caso das bibliotecas escolares. Conforme aponta o texto, em 2018, das 2.545 instituições de ensino existentes na rede, somente 20 (menos de 1%) tinham bibliotecários. No mesmo ano, cerca de 10% das bibliotecas de escolas estaduais estavam fechadas (em torno de 250) total ou parcialmente, por falta de funcionário ou espaço físico.

Andreia Bitencourt, do movimento Bibliotecários em Marcha, chama atenção para dados específicos da área. “Na página 23 do Observatório, podemos observar que temos uma defasagem muito grande até chegar o zero o número de servidores técnicos científicos que dizem respeito aos bibliotecários. Governo após governo, sofreu uma defasagem. No governo Rigotto, tínhamos 82 técnicos científicos contratados, e esse número foi decaindo, chegando a zero no governo Sartori. Os dados do descaso com as bibliotecas escolares são alarmantes”, ressalta. Para ela o observatório vai ser uma ferramenta de vital importância para o movimento. “É inadmissível que a biblioteca, uma ferramenta tão importante do conhecimento, esteja nessa situação. O bibliotecário é importante no trabalho junto ao professor, porque a leitura é importante, a leitura transforma vidas”, finaliza.

Na avaliação do 2º vice-presidente do CPERS, Edson Garcia, a educação hoje não é prioridade do governo do Estado. “Hoje as escolas estão sucateadas, não há concurso público para professores, tão pouco para funcionários, principalmente para aqueles cargos essenciais, como merendeiras, limpezas. Temos hoje, bibliotecas sendo fechadas, colegas doentes sendo demitidos, a não realização de concursos públicos, não é uma beleza como muitas vezes a gente ouve os órgãos oficiais reproduzirem”, destaca.

O vice-presidente frisou os 43 meses de atraso e parcelamento salarial da categoria, assim como a falta de reajuste há mais de quatro anos. “Muitas pessoas pensam que os professores e funcionários são privilegiados e os dados aqui mostram que não. Vocês se surpreendem que o valor do salário não é para 20h mas 40h. Esperamos que os outros deputados tenham conhecimento desses dados e passem a nos enxergar, professores, funcionários de escola e toda comunidade escolar, com a real importância que merecemos. A educação não é gasto, é investimento”, conclui.

“Se os governantes não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”

A frase proferida pelo antropólogo, escritor e político brasileiro, Darcy Ribeiro, em 1982, foi lembrada pela vice-Reitora da Uergs, Sandra Monteiro Lemos, ao falar da situação atual. “Hoje estamos fechando escolas e buscando dinheiro para abrir presídios. Educar é compromisso da sociedade”, assinala. De acordo com ela, é preciso que tenha políticas públicas efetivas e que sejam políticas de Estado, e não apenas de governo. “Não vejo como a educação consiga melhorar se não tiver a valorização dos professores”, finaliza.

Queda nas matrículas e abandono escolar

Casa cheia para o lançamento no Salão Júlio de Castilhos da ALRS 

Outro dado abordado diz respeito à queda no número de alunos. Em 2007, a rede estadual registrou 1.323.853 matrículas de um total de 2.607.501 alunos de ensino básico no Estado. Em 2018, tinha 880.168 alunos de um total de 2.325.876 do ensino público e privado do RS. O Tribunal de Contas aponta que 380.366 crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos (idade obrigatória) estão fora da escola, o que representa um total de 16,8% da população desta idade no RS. A média brasileira é de 5,7%.

O documento registra, a partir do FICAI (Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente) — instrumento de acompanhamento e busca de estudantes que abandonam a escola, que os níveis de abandono são maiores nos anos finais do Ensino Fundamental e na faixa etária de 15 a 17 anos. Os principais motivos para evasão seriam: negligência e distorção idade/série.

“A gente sabe que as infrequências, que é um dos dados trazidos hoje, não tem como motivação principal uma ideia genérica de resistência, a gente sabe que por trás disso há uma situação de pobreza, de violência, de desinteresse em relação a sala de aula e é isso que a gente precisa reverter”, argumenta Aline Kerber, presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia.

Na avaliação do deputado Fernando Marroni (PT), não há um cenário de recuperação. “Quando colocamos no papel os dados, é o retrato da dor. O que presenciamos em audiências e reuniões, é lamentável um estado como o nosso chegar a esse ponto. Não se anima a escola, não se anima a comunidade acadêmica, se não tivermos um projeto de desenvolvimento e recuperação da educação. Temos que mobilizar mais, lutar mais. A perspectiva não é boa. Queremos extrair o máximo dos governos para que possamos recuperar essa situação que vive a educação no nosso estado”, pontua.

Para o deputado e vice-presidente da Comissão, Issur Koch (PP), não se pode terceirizar a responsabilidade da situação da educação para as escolas. “A educação é feita pela sociedade, a escola é uma parte desse processo, a escola ensina. É impossível evoluirmos como país enquanto as pessoas dizem que a culpa da educação não evoluir é da escola ou dos professores”. Conforme assegura, o grande desafio é trazer a sociedade como um todo para esse debate.

Corte de recursos na educação básica e perseguição

Em março desse ano, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) anunciou corte de R$ 5,8 bilhões nas verbas destinadas às universidades públicas e programas de fomento à pesquisa. O fato gerou protestos em todo o país. Na ocasião o argumento utilizado pelo presidente e pelo pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi que os recursos seriam aplicados na educação básica, em especial na ampliação da rede de creches pelo país. “A gente não vai cortar recurso por cortar. A ideia é pegar e investir dinheiro na educação básica”, disse então o presidente.

Contudo, de acordo com o levantamento divulgado nesta segunda-feira (15) pelo jornal Folha de S.Paulo fica claro que que o governo, além de não investir, também “esvaziou” ações voltadas para a educação básica, como programais de apoio a educação em tempo integral, construção de creches, alfabetização e ensino técnico. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo (Siop).

“Há um processo de desvalorização e de perseguição de professores da educação, da ciência e da tecnologia que é de cima para baixo. Acontece desde o governo federal, com esses cortes, como ontem vimos na matéria da Folha”, comenta Aline Kerber. A perseguição aos professores, de acordo com Aline, também se observa a partir do projeto Escola Sem Partido, que mesmo não vingando, simbolicamente se já efetivou ao gerar desconfiança em relação ao professor, ao quebrar o clima entre aluno e professor.

“Precisamos nesse momento ir para as ruas, buscar novas formas de participação e chamar os nossos grupos, chamar a comunidade, trazer os dados, mostrar as evidências. Por isso é importante a existência desse observatório. E também compreender esse fenômeno para além das ideologias, esse é o grande desafio. Temos que colocar, de fato, a educação no centro das políticas públicas para reverter, e não reduzir os investimentos e ou aumentar o controle em relação aos professores, que é o que está acontecendo nesse momento trágico no país”, conclui.

Apesar do quadro desolador, Sofia espera que, a partir do trabalho com os dados do Observatório da Educação Pública no Rio Grande do Sul, daqui a um ano se possa comemorar indicadores melhores. “Que possamos dizer que fizemos o melhor pela educação gaúcha”, conclui.

Lançamento

Lançamento do Observatório da Educação Pública no Rio Grande do Sul 

Também se manifestaram durante o lançamento do Observatório o 2º vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE/RS), conselheiro Cezar Miola; o representante da Escola do Legislativo da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, professor Jorge Barcelos; o professor de EJA, Gabriel Bandeira.

O evento ainda contou com a participação dos deputados Sebastião Melo (MDB); Sergio Peres (PRB); Vilmar Lourenço (PSL); representação de Luciana Genro (Psol); Any Ortiz (PPS); Vilmar Lourenço (PSL). E as representações da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Gladis Helena Jorgens; do Conselho Estadual de Educação (CEEd), vice-presidente Márcia Adriana de Carvalho; da Famurs, Everaldo de Lazari, do ICBA, Uli Kaup; do Simpa, diretor Hamilton Farias.

Na abertura, o grupo de dança Ilhas de Encanto, do Instituto Estadual de Educação Isabel de Espanha, do município de Viamão, apresentou uma sequência de danças ligadas ao folclore e às tradições açorianas.

Edição: Marcelo Ferreira