A Frente Parlamentar pela Preservação da Soberania Energética Nacional realizou uma reunião de trabalho, nesta segunda-feira (15), no auditório do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (SENGE-RS), para debater a articulação de ações de bloqueio do processo de privatização de empresas públicas do setor em curso no Estado e também em nível nacional, incluindo estatais como a Eletrobras, maior empresa de eletricidade da América Latina, e a Cemig, de Minas Gerais, entre outras. Presidida pelo deputado federal Pompeo de Mattos (PDT), a frente contou com a assinatura de 204 parlamentares para sua criação e defende o “papel estratégico das empresas públicas de energia elétrica” e a “importância de mantê-las sob controle do Estado brasileiro”. A reunião de trabalho da Frente Parlamentar foi solicitada por sindicatos e associações de funcionários da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).
“Estamos vivendo dias bastante estranhos nesta questão da energia. Já tentaram defenestrar a Eletrobras em Brasília, ainda no governo Temer, mas fizemos o enfrentamento a essa tentativa e eles não conseguiram. A privatização da Eletrobras era tida como favas contadas, mas no fim eles não tiveram a força necessária para fazer”, assinalou Pompeo de Mattos na abertura da reunião. O parlamentar citou esse caso para sustentar que é possível resistir ao processo de privatização em curso em nível estadual. “A mesma coisa está acontecendo aqui no Rio Grande do Sul. Retiraram a exigência do plebiscito da Constituição e aprovaram a lei autorizando a venda das empresas, mas não podemos esmorecer. Existe muita vida fora e dentro desse processo e há muita coisa que pode ser feita. Uma boa parte da CEEE é federal e o governo do Estado não pode resolver tudo sozinho. Devemos organizar a resistência e é para isso que estamos retomando essa frente parlamentar”, acrescentou o parlamentar trabalhista.
Na avaliação de Gerson Carrion, ex-presidente da CEEE e assessor técnico da Frente Parlamentar, a soberania energética do país está em risco. Em nível estatual, disse Carrion, a proposta do governo Eduardo Leite (PSDB) significa abrir mão da soberania sobre a matriz energética do Estado. “Estamos eliminando um vetor de desenvolvimento estratégico para a retomada do crescimento do Estado. Essa privatização vai além do ideológico, como está sendo colocado, incorrendo em uma prática perdulária e numa irresponsabilidade fiscal, pois deixará um passivo que agravará a situação financeira do Estado. Querem fazer um papagaio, um empréstimo de 3 bi, quando o passivo do Grupo CEEE é de 5,5 bilhões. Reiteradamente, o acionista controlador, junto com alguns veículos de comunicação, vem promovendo a destruição do próprio ativo, quando deveriam estar valorizando esse ativo”, protestou o ex-dirigente da empresa.
Carrion também manifestou perplexidade com o convênio anunciado pelo governo do Estado com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para tocar o processo de privatização das empresas públicas do setor energético. “O BNDES não é uma entidade isenta neste processo. Ele está na estrutura orgânica do Ministério da Fazenda. Está na lei das Sociedades Anônimas que qualquer processo de avaliação tem que ser independente. Deveria haver uma licitação pública para isso. Como é que alguém que vai participar da compra está avaliando o que vai ser vendido? E, se eles forem responsáveis, vão dizer que não querem esse ativo da forma como está, pois não suporta a garantia de nenhum empréstimo. Pelo contrário, o acionista controlador, ao longo do contrato de concessão, não cumpriu com o aumento de capital”.
A pauta de debates na reunião desta segunda-feira no SENGE-RS indicou algumas das iniciativas que devem ser tomadas para tentar bloquear esse processo. Entre elas, estão questionamentos ao Ministério de Minas e Energia e à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) sobre o cumprimento das cláusulas dos contratos de concessões de geração, transmissão e distribuição, aumento de capital e providências da gestão e do acionista controlador para honrar os contratos de concessões. Além disso, a frente pretende articular ações e denúncias junto aos órgãos de controle exigindo auditorias e inspeções especiais em cada etapa do processo de privatização.
“É hora dos órgãos de controle se manifestarem, assim como o Ministério Público e o Tribunal de Contas. Esse processo tem que ser auditado passo a passo. Não pode o BNDES querer chegar aqui com uma modelagem pronta e a sociedade simplesmente aceitar. Já que retirou a soberania popular do plebiscito para vender as empresas públicas e essa decisão vai submeter várias gerações a um conjunto de obrigações, o governador Eduardo Leite deveria ter a humildade de fazer um plebiscito para a população se manifestar sobre o Regime de Recuperação Fiscal”, defendeu ainda Carrion.
Luiz Alberto Schreiner, diretor financeiro do SENGE, disse que o Rio Grande do Sul e o Brasil como um todo estão caminhando na direção contrária adotada por grandes economias do mundo, que estão reestatizando serviços que haviam sido privatizados. “Na Alemanha, são mais de 350 empresas reestatizadas. Na França, passam de duzentas. As pessoas lá se deram conta que o privado é importante, sim, mas o público também é necessário principalmente em áreas como a de energia, que exige grandes investimentos que levam muitos anos para serem amortizados”, observou.
Schreiner acredita que o processo de privatizações no Rio Grande do Sul não é inevitável. “Ainda existe muita coisa a ser esclarecida pelo governo do Estado que, ao nosso ver, está equivocado, principalmente na questão da CEEE. Acho que a questão do passivo que ficará para o Estado não está clara para o governo. A venda da CEEE não vai melhorar a condição financeira do Estado. Pelo contrário, vai trazer mais despesas. Todo o passivo que existe na empresa hoje, seja trabalhista, seja de empréstimos internacionais ou de ex-autárquicos, vai onerar o Estado”.
Além disso, ele destaca que há condições de buscar investimentos por meio de instrumentos como o PL-308/2015, referente a uma questão envolvendo cálculo de abatimento de imposto de renda, que não estão sendo consideradas pelo governo. “Esse processo tramita desde 2013 e a gente não vê ações por parte do governo do Estado para buscar esses recursos que podem ser a solução para o Grupo CEEE”.
O ex-secretário estadual de Minas e Energia e ex-prefeito de Passo Fundo, Airton Dipp, também participou do encontro e definiu como uma insanidade o processo de desmonte do patrimônio público no Brasil. “É preciso reverter essa loucura que está acontecendo no país. Estamos abandonando a perspectiva de desenvolvimento. As empresas de energia são fundamentais para o desenvolvimento nacional. Do mesmo modo, estão desmontando o ensino público de qualidade e o sistema de bancos públicos e de desenvolvimento. Nenhum país que pretende se desenvolver faz isso”.
Participaram da reunião da Frente Parlamentar representantes das seguintes entidades:
Sindicato dos Engenheiros no Estado do RS (SENGE), Sindicato dos Eletricitários do RS (Senergisul), Sindicato dos Técnicos do RS (SINTEC), Sindicato dos Administradores do RS, Sindicato dos Contadores do RS, Sindicato dos Economistas do RS, Sindicato dos Advogados no RS, Sindicato dos Arquitetos no Estado do RS, Sindicato dos Jornalistas do RS, Sindicato dos Psicólogos no Estado do RS, Sindicato dos Assistentes Sociais no Estado do RS, Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho do RS, Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre, Associação dos Engenheiros das Companhias de Energia Elétrica do RS, União dos Profissionais da CEEE, Associação dos Técnicos da CEEE, Associação dos Funcionários da CEEE, Associação dos Aposentados e Pensionistas Eletricitários do Rio Grande do Sul e Fundação CEEE de Seguridade Social.
Edição: Sul 21