Cerca de 1.300 a 1.700 famílias residem no local onde será feita a expansão do Aeroporto Internacional Salgado Filho, da concessionaria alemã Fraport, na vila Nazaré, em Porto Alegre. Para que isso seja feito, os moradores estão tendo que se mudar. Contudo, o processo de remoção das famílias que vivem no local não vem sendo respeitado. Assim como não está sendo respeitado o direto das famílias que querem permanecer no local.
O plano da prefeitura é que essas famílias sejam removidas até o final de 2019. De acordo com representante do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto do Rio Grande do Sul (MTST/RS), há uma forte pressão para que essa remoção seja acelerada. Além disso, há o processo de criminalização da vila, por meio de ações policiais e através da cobertura dos grandes meios de comunicação.
Está em curso em Porto Alegre um processo de gentrificação, que é o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local. Fato que pode ser observado no caso da vila Nazaré, criada há mais de 50 anos, onde os moradores terão que se retirar do local, para dar espaço a expansão do aeroporto. Algumas dessas famílias vivem no local há mais de 30 anos.
Ação Civil Pública determina cadastro integral das famílias
A inexatidão do número de famílias que deixarão o local, causa apreensão sobre o futuro dos moradores. Conforme aponta a ação civil pública (ACP), ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Estadual (MPRS) e a Defensoria Pública Estadual (DPE), no último dia 5 de julho.
“O quantitativo de famílias não é exato em face do fato de que o último cadastramento municipal ocorreu no ano de 2010, sendo que o levantamento realizado pela empresa concessionária no ano de 2018 se deu em área limitada ao perímetro aeroportuário. Importante ainda, nesse ponto, indicar que o município iniciou levantamento na área denominada vila Nazaré a partir de janeiro de 2019, o qual não foi concluído, sendo impossível, portanto, saber o quantitativo exato de famílias hoje existentes na localidade”, expõe o texto, que pode ser conferido na íntegra aqui.
A ação, que está sob análise judicial, determina que o município de Porto Alegre e o Departamento Municipal de Habitação se abstenham de realizar qualquer remoção, realocação ou reassentamento antes da conclusão do cadastro integral das famílias. É ajuizado também que não seja feito reassentamento forçado ou contra a vontade de moradores para os empreendimentos habitacionais Minha Casa Minha Vida (MCMV) na Rua Irmãos Maristas, 400 e Rua Senhor do Bonfim, 55, ou para qualquer outra localidade.
Para os representantes da Amovin - Associação dos Moradores da Vila Nazaré e do MTST - Rio Grande do Sul, a Fraport e a prefeitura não estão respeitando esse acordo. Enquanto a decisão judicial, prevista para acontecer até o dia 20 de julho (foi dado prazo de 15 dias), não sai, a prefeitura acelera o processo de remoção, sem antes ter concluído o cadastro de todas as famílias.
Desrespeito e criminalização
“Eles (prefeitura) estão antecipando justamente pela ação na justiça, estão contando que a justiça vai demorar para ter o encaminhamento, e assim eles consigam remover todas as famílias, nessa postura de coerção”, aponta Fernando Costa, da direção estadual do MTST/RS.
Além da situação de assedio, Fernando também aponta o processo de marginalização, perpetrado pelo poder executivo, e com aval dos grandes meios de comunicação, que repercutem e apontam as lideranças comunitárias como sendo criminosas ou aliciadoras de crianças para o tráfico, como apontou a jornalista Rosane de Oliveira.
“Recentemente tivemos uma festa junina, em que a comunidade se reuniu alegremente, e que não foi noticiada. Agora todas as ações criminais dentro da vila, são noticiadas. Tem uma intencionalidade, e é importante destacar nesse processo a força da mídia”, aponta.
Em nota divulgada no dia 10 de julho, o MTST/RS diz que esse discurso contra as instituições e as lideranças da Associação de Moradores foi verbalizado pelo prefeito tão logo se deu a quebra do sigilo do Inquérito Civil do MPF, sobre as irregularidades na remoção das famílias da vila Nazaré. “O Objetivo é formar convencimento na opinião pública de que a Comunidade da Nazaré é caso de polícia, quando na verdade, o DEMHAB é que está sob investigação por desvio de dinheiro. Desvio esse, justamente nos condomínios Minha Casa e Minha Vida, Bonfim e Timbaúva para onde a parceria Fraport e Prefeitura de Porto Alegre querem remover as famílias a qualquer custo”, aponta.
Fernando observa que a prefeitura não construiu nenhum plano de remoção juntamente com os moradores. Para ele, isso reforça a sensação de assedio vivida pelos moradores. “É uma situação de assedio, as famílias vivem em uma precariedade muito grande (por descaso da própria prefeitura), mas elas têm direitos que não estão sendo garantidos, para que não seja um processo ainda mais de empobrecimento dessas famílias. Elas precisam que seus direitos sejam garantidos, que é a moradia, trabalho, saúde, educação, que é o espaço de todas as atividades que eles desenvolvem hoje. E não está sendo contemplado. Os moradores não sabem o que vai acontecer, tanto que nos últimos dias eles anteciparam várias remoções”, observa.
Há famílias que querem sair, mas há as que querem ficar
Conforme aponta a Amovin e o MTST/RS, a Nazaré não é contra o aeroporto, e o histórico de luta da comunidade é em defesa de que o reassentamento das famílias respeite sua dignidade, os seus meios de geração de renda e a sua história.
Conheça a história dessas pessoas feita com os próprios moradores:
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Edição: Katia Marko