Constata-se uma profunda insatisfação do eleitorado com o estado de coisas atual
As pesquisas Datafolha veiculadas na segunda-feira, dia 8, sobre o desempenho do governo Jair Bolsonaro e a avaliação das atitudes do ex-juiz e atual ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro revelam um cenário político preocupante e, ao mesmo tempo, desafiador.
Por um lado, a avaliação do governo Bolsonaro e do seu titular é a pior já registrada ao final dos primeiros seis meses de mandato de qualquer presidente da República pós ditadura civil-militar, inclusive com a maioria dos eleitores condenando os procedimentos do ministro Moro quando juiz. Por outro lado, a maioria manifesta-se favorável à Operação Lava Jato e à prisão do ex-presidente Lula da Silva e contrária à demissão de Moro, mesmo considerando que seus atos foram irregulares e que suas decisões devem ser revistas, o que, a princípio, revelaria uma flagrante contradição por parte do eleitorado ou a fragilidade das alternativas políticas disponibilizadas aos eleitores.
É fato que os eleitores estão divididos. Repete-se a histórica divisão da sociedade brasileira em 3/3, tal como aconteceu nos anos anteriores a 2002, data da primeira eleição de Lula. Até aquele ano, 1/3 aprovava o PT e a candidatura de Lula, 1/3 era contrário ao PT e a Lula e o 1/3 restante não se posicionava. Hoje, 1/3 aprova o governo Bolsonaro (33%), 1/3 o desaprova (33%) e 1/3 nem o aprova e nem o desaprova (31%).
A deterioração da avaliação do governo Bolsonaro e da pessoa do Presidente da República é flagrante. Comparativamente à pesquisa realizada há três meses, a reprovação do governo federal aumentou em todo o país, inclusive nas regiões Centro-Oeste e Sul nas quais a aprovação, ainda que continue a superar a desaprovação, também diminuiu. Na região Sul, onde Bolsonaro obteve 68% dos votos válidos, hoje são apenas 39% os que classificam o seu governo como ótimo ou bom. Na região Sudeste, onde conquistou 65,4% dos votos válidos, os frustrados com o seu governo somam 59%.
Em todo o país, tal como verificado na pesquisa anterior, são 61% os que avaliam que Bolsonaro fez menos pelo país do que esperavam que ele fizesse. Além disso, caiu oito pontos o otimismo com o desempenho futuro do seu governo, que passou de 59% para 51%.
De acordo com as palavras do diretor do Datafolha, no podcast Café da Manhã da FSP do dia 08 de julho, não obstante tenha os sentimentos de negatividade na população brasileira ao longo dos últimos anos, “a maioria permanece ainda com sentimentos negativos [com relação ao Brasil], com mais raiva [52%] do que tranquilidade [43%], mais desanimada [66%] do que animada [35%] e com mais medo [58%] do que confiança no futuro [53%]. Também a maioria está mais triste [65%] do que feliz [33%], mais insegura [73%] do que segura [25%]”.
Constata-se, portanto, uma profunda insatisfação do eleitorado com o estado de coisas atual. No entanto, o que poderia parecer uma sinalização positiva para as oposições ao atual governo, abrindo-lhes boas perspectivas de futuro pode, de modo inverso, ser a revelação do grau de deterioração da sua imagem junto à opinião pública e de sua dificuldade atual de formular alternativas, de apresentá-las e de fazê-las aceitas pela maioria do eleitorado, seja por aquela parcela que já se desencantou com Bolsonaro e com seu governo, seja por aquela que se mantém neutra em relação a ele.
São diversas as evidências que reforçam esta possibilidade. A primeira delas é a de que, não obstante tenha ocorrido o enfraquecimento do governo e da figura do seu titular, Bolsonaro consolidou posição junto a parcela expressiva do seu eleitorado, pois 60% dos que afirmam que votaram nele no 2º turno aprovam o seu governo. A segunda evidência refere-se à estabilidade do chamado eleitorado pêndulo, ou seja, aquele que não aprova e nem desaprova o governo: o 1/3 histórico continua imóvel.
A terceira e mais complexa evidência encontra-se nas opiniões reveladas pelos jovens e pelas mulheres e na aparente contradição que elas expressam. Os jovens entre 16 e 24 anos, que foram os primeiros a aderir à candidatura de Bolsonaro e a aclamá-lo como “mito”, estão agora empatados com as mulheres, que sempre foram as mais resistentes a ele, na desaprovação do seu governo: 37% das mulheres e dos jovens de 16 até 24 anos e, ainda, 50% dos estudantes consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo. Além disso, 70% dos estudantes declaram que o presidente Bolsonaro fez menos pelo país do que eles esperavam.
Não obstante toda a desilusão com Bolsonaro e seu governo e não obstante o escândalo provocado pela divulgação realizada pelo site The Intercept, semanas antes da pesquisa, das conversas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador federal coordenador da Operação Lava Jato, a maioria do eleitorado, inclusive dos mais jovens e das mulheres, continua apoiando Moro e a Operação Lava Jato, responsáveis diretos pela prisão de Lula e a consequente impugnação de sua candidatura, ações que facilitaram enormemente a eleição de Bolsonaro.
A Operação Lava Jato, ainda que tenha perdido seis pontos percentuais, detém 55% de aprovação dos eleitores. Moro, mesmo tendo perdido sete pontos de popularidade, continua sendo o ministro mais bem avaliado do governo Bolsonaro e 54% preferem que ele continue no cargo. Mesmo que 58% considerem suas atitudes inadequadas para um juiz e igual número entendam que as irregularidades cometidas por ele são graves e que suas decisões devam ser revistas, 54% afirmam que a prisão de Lula foi justa.
Opiniões que são compartilhadas por parcela expressiva dos jovens de 16 até 24 anos e das mulheres, pois não obstante 73% dos jovens e 61% das mulheres considerem inadequada a conduta de Moro e 61% das mulheres e 68% dos jovens entendam que suas decisões devem ser revistas, apenas 44% desses dois segmentos consideram injusta a prisão de Lula. De todos os segmentos pesquisados, apenas os assalariados sem registro, com 55%, e os desempregados, com 56%, consideram injusta a prisão de Lula.
O conjunto de dados da pesquisa revela que, mesmo que tenha diminuído significativamente a aprovação de Bolsonaro e aumentado a desaprovação e a frustração com seu desempenho e do seu governo, mesmo que os eleitores estejam desalentados, entristecidos, amedrontados, raivosos e inseguros e mesmo que as ações de Moro sejam reprovadas e a aprovação da Lava Jato tenha caído, o prestígio daqueles que se opõem ao atual governo, ao seu titular e àqueles que contribuíram fortemente para a sua eleição, continua fortemente abalado, sem que tenham surgido qualquer outra força política ou lideranças capazes de assumirem seus lugares.
A volta da divisão do eleitorado em 3/3 terços históricos, tal como existente desde o final dos anos de 1980 até o início dos anos 2000, expressa o retorno de uma conjuntura política de relativo equilíbrio das forças em disputa, com a diferença de que se explicitaram mais claramente do que antes a presença, as posições e a força da extrema direita, que pela primeira vez chegou ao poder de Estado por meio do voto no país.
Fica claro que, não obstante as derrotas impostas ao PT e a Lula e não obstante o ímpeto com que Bolsonaro e seus aliados assomaram a cena política brasileira, nenhuma força política, seja de direita, de esquerda ou mesmo de centro tem hoje condições de se sobrepor às demais.
Para governar de forma minimamente democrática, Bolsonaro terá que se aliar abertamente ao centro político, o que talvez faça com que ele perca pontos percentuais de apoio entre os segmentos que hoje lhe são mais fiéis. Diante disso e diante da incapacidade que Bolsonaro e os integrantes do seu governo têm revelado de conquistar apoios e fazer aliados no Parlamento, uma aventura autoritária, de características neofascistas, não pode ser descartada.
Às oposições, para que possam se apresentar como alternativa futura de governo e de poder, resta a possibilidade de unirem suas forças. A resistência às investidas autoritárias de Bolsonaro e do círculo de seus apoiadores, bem como a resistência às suas políticas antinacionais e de desmonte do precário Estado de Bem-Estar Social existente no Brasil, exigem que se somem, sob um programa mínimo, todas as forças e movimentos políticos democráticos de esquerda, de centro e de direita. Foi esse o caminho historicamente adotado em todo o mundo para se enfrentar o fascismo e não haverá de ser diferente aqui e agora.
Edição: Marcelo Ferreira