Hoje, tudo parece irracional, louco, inexplicável, sem sentido
Não são tempos para cardíacos. E o clima gaúcho não está para fracos. Terça (02/07), a temperatura máxima foi de 28 graus. No dia seguinte, quarta, a máxima chegou a 13 graus. A quinta-feira amanheceu com apenas 4 graus. Ou seja, haja fogão a lenha e chimarrão para esquentar pés e mãos e aquecer o coração! Enquanto isso, o mar político, econômico, social, cultural, ambiental não está para peixe: desemprego, recessão, fome, miséria, deflação, violência. Ao mesmo tempo, The Intercept, a conta-gotas, deixa todo mundo à espera todos os dias: os que esperam, finalmente, a verdade e seus bastidores, e os que, aos poucos, como procuradores, juízes e golpistas, estão sendo pegos na mentira descarada, e revelados em sua hipocrisia e seus comandos americanos.
Todos os dias e os dias todos há sobressaltos, incertezas, interrogações, perplexidades. A cada notícia, a pergunta surge de novo: Como pode ser? Onde a democracia e o Brasil vão parar?
Para quem é das antigas como eu, anos 1970/1980, além da dificuldade de entender tudo o que está acontecendo, tem a impressão, ou certeza, de nunca ter visto nada igual, nem mesmo na ditadura militar, com sua repressão, tortura, assassinatos, exílio e falta de liberdade. A ‘ditabranda’, de alguma maneira, tinha algum grau de lógica e racionalidade. Hoje, tudo parece irracional, louco, inexplicável, sem sentido.
Os exemplos são inúmeros.
O ódio, a intolerância e o preconceito estão nas ruas, estão nas famílias, estão nas comunidades, como antes nunca estiveram. Não há ninguém sem um exemplo ou história pessoal de corte de relações familiares ou comunitárias.
Nas manifestações da direita conservadora no dia 30 de junho apareceram faixas, entre outras, com os dizeres: ‘General Mourão, faça a intervenção. Fim do Congresso e do STF!’ O vice-presidente da República, General Mourão, exaltou o torturador Carlos Brilhante Ustra em evento em São Leopoldo, dizendo-se feliz e honrado com a convivência. O General e Ministro de Estado Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em cima do caminhão de som em Brasília, chamou os adversários de ‘esquerdopatas, derrotistas e calhordas’! O presidente brasileiro batendo continência à bandeira americana e comemorando a independência dos EUA!
Conta o Painel da Folha de São Paulo (02.07.19): “Olavo de Carvalho citou traidores que começaram a negociar com a outra parte e intitularam-se moderados. E disse que era preciso quebrar as pernas desses vagabundos.” De outro lado, completa a Folha (02.07.19), há forte temor de que atos pró-Bolsonaro descabem para o radicalismo puro e simples, apoiado no discurso anti-instituições. O deputado federal Kim Kataguiri (DEM/SP), do Movimento Brasil Livre (MBL), declarou: “Eles (bolsonaristas) não querem um Congresso. Querem bois de terno e gravata que atendam ao berrante do presidente” (O Globo, 02.07.19).
Para quem é calejado, para quem atravessou a ditadura e foi perseguido, anos 1970/1980, não está sendo fácil entender, analisar, tomar posição, agir. Imagina para a adolescência e juventude de hoje, que está descobrindo a vida nos anos 2010, em épocas de quase pleno emprego, de abertura da Universidade e Institutos Federais para todo mundo, de inclusão social, de liberdade de expressão e organização, de (suposta) democracia!
Vai levar um tempo, sem dúvida, para a verdade aparecer e o horizonte se desanuviar. Ou muito tempo. Dez, quinze anos, quem sabe, para que a poeira baixe, os ventos se acalmem, os direitos de trabalhadores voltem a ser respeitados, a democracia e a soberania tornem a florescer. É preciso ter paciência, muita paciência, mesmo que até eu, normalmente calmo e tranquilo, tenha às vezes que me recolher, engolir em seco, dar um tempo, fechar a boca, para recompor forças, energia, coragem, esperança.
O diálogo, muito diálogo, é fundamental nestes tempos ‘muy calientes’. Assim como unidade. Máximo de unidade das forças progressistas e democráticas: nas lutas, nas ruas, nas mobilizações, nos embates internos nos movimentos sociais e populares, nos partidos políticos, nos processos eleitorais futuros.
Não é de se descartar o endurecimento nos próximos meses, com mais repressão ‘democrática’, como se viu na Greve Geral do dia 14 de junho. Neste contexto e nesta conjuntura, é preciso construir um programa estratégico para o próximo período, com base na experiência das ruas e das lutas do cotidiano, incorporando a sabedoria da juventude e das mulheres que estão dizendo ‘ninguém solta a mão de ninguém’.
Os tempos são ‘muy calientes’ em todos os sentidos. Mas são tempos também em que o novo e o futuro têm espaço, podem, e vão, nascer.
Edição: Marcelo Ferreira