Rio Grande do Sul

CONTRA A MINERAÇÃO

Mais de 50 entidades lançam Comitê de Combate à Megamineração no RS

Dos 166 projetos querendo se instalar no Estado, quatro já estão em processo de licenciamento ambiental

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Lançamento do Comitê de Combate à Megamineração no RS lotou auditório do CPERS Sindicato
Lançamento do Comitê de Combate à Megamineração no RS lotou auditório do CPERS Sindicato - Foto: Luiza Castro/Sul21

Mais de 50 entidades lançaram, no início da noite desta terça-feira (18), no auditório do CPERS Sindicato, em Porto Alegre, o Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul. A criação do comitê é uma iniciativa de entidades ambientalistas, sindicatos, associações de moradores, movimentos populares, núcleos de pesquisas de universidades, cidadãos e cidadãs preocupados com os impactos sociais e ambientais de um bloco de grandes projetos de mineração que pretendem se instalar no Estado nos próximos anos. O auditório do CPERS ficou lotado para o lançamento do comitê que contou com a presença de representantes de comunidades atingidas por alguns dos principais projetos de mineração que estão em processo de licenciamento ambiental.

A articulação de entidades indicou a abertura de uma nova etapa na mobilização social em relação aos grandes projetos extrativistas que viram no Rio Grande do Sul uma nova fronteira de expansão. “Ao longo de sua história, o CPERS, além da defesa de uma educação pública de qualidade, sempre lutou em questões ligadas à vida e sempre teve lado, que é o lado dos atingidos por projetos do grande capital”, disse Vera Lesses, representante do sindicato, na abertura no encontro. Na mesma linha, Paulo Belotto, vice-presidente da Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal (APCEF/RS), manifestou o apoio da entidade à mobilização e questionou “como pode um governo negociar a saúde e a vida da população”. “As gerações futuras pagarão com sua saúde e suas vidas o custo desses projetos. Não vamos permitir que isso aconteça”, disse Belotto.

Representantes de mais de 50 entidades já subscreveram apoio ao movimento. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Vice-presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda chamou a atenção para a pluralidade das entidades representadas na plenária de lançamento do comitê. “É muito importante ver esse auditório lotado por pessoas e entidades tão qualificadas e representativas, o que mostra que temos força para vencer esses projetos de megamineração”, disse o diretor da Agapan. Lacerda defendeu o uso da palavra “combate” na escolha do nome do comitê lançado nesta segunda-feira. “Houve um debate sobre se seria melhor usar combate ou resistência. Na luta ambiental, já estamos resistindo há décadas, agora chegou a hora de combater”, defendeu.

Eduardo Quadros, engenheiro ambiental e integrante da Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA), de Guaíba, também destacou o caráter unificado do comitê e apontou um desafio colocado para a comunidade acadêmica e científica do Estado. “Temos que nos debruçar sobre os estudos de impacto ambiental, fazer uma análise técnica dos mesmos e apresentar contra-laudos, apontando as lacunas e erros dos mesmos. A hora de resistir é agora, depois, se esses projetos forem aprovados, resta pouca coisa a fazer”, afirmou.

Eduardo Quadros, da Associação Amigos do Meio Ambiente, de Guaíba: “hora de resistir é agora”. (Foto: Luiza Castro/Sul21) 

A plenária de criação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul apresentou um resumo da situação atual de quatro projetos que estão em processo de licenciamento ambiental para instalação: o projeto da Mina Guaíba, que pretende extrair carvão a céu aberto em uma área localizada entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas; o projeto Caçapava do Sul, que quer minerar zinco, chumbo e cobre às margens do rio Camaquã; o projeto Três Estradas, que pretende extrair fosfato em uma região de Lavras do Sul; e o projeto Retiro, que quer extrair titânio em uma área localizada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico.

“Estamos inaugurando hoje um diálogo ampliado com a população gaúcha. Temos hoje 166 projetos querendo se instalar somente no território da metade sul do Estado, sendo que quatro deles estão em fase mais avançada de licenciamento. Estamos diante de uma luta de longo prazo. Caso esses projetos sejam aprovados e instalados, o Rio Grande do Sul deve se tornar o terceiro ou quarto estado minerador do país”, disse Michele Ramos, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Esse modelo de mineração, acrescentou, é totalmente predatório, podendo provocar um colapso ambiental e social como o que está se vendo em Minas Gerais, com o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho.

Marcelo Paiakan, do assentamento Apolônio de Carvalho, um dos principais produtores de arroz orgânico do Estado. (Foto: Luiza Castro/Sul21) 

Marcelo Paiakan, morador do assentamento Apolônio de Carvalho, definiu os projetos de mineração como “uma assombração” que paira sobre o Estado. “Estamos falando de saúde e da vida das pessoas. Não se garante emprego destruindo outros empregos. Nós temos trabalho e produzimos alimentos orgânicos para mais de 40 feiras da Região Metropolitana de Porto Alegre”, destacou. Paiakan questionou ainda o fato de a Copelmi não querer a realização de uma audiência pública em Porto Alegre para debater os impactos sociais e ambientais do projeto da mina Guaíba. “A audiência pública em Eldorado do Sul só está saindo por pressão da sociedade. Por que a Copelmi tem tanto medo de fazer uma audiência pública em Porto Alegre?”, perguntou.

O fotógrafo e ambientalista Mario Witt relatou a situação do projeto Três Estradas, que pretende extrair fosfato em Lavras do Sul. Neste município, a empresa Águia, assinalou, conseguiu construir uma situação de hegemonia em relação à opinião majoritária da população. “Conseguiram cooptar as autoridades e a base da população, criando uma ideia hegemônica de forma que, na audiência pública realizada no dia 20 de março, não se podia falar contra o projeto da mineração, tal era o clima de animosidade”, relatou Witt. Ele lembrou o testemunho do deputado estadual Marlon Santos (PDT) na audiência pública, segundo o qual, quem estava ali se manifestando contra o projeto da mineração não podia sequer ser considerado como gente. “E ele ainda falou que a audiência pública tinha sido um exemplo de democracia. Que democracia é esta? “

Mario Witt: Conseguiram cooptar as autoridades e a base da população em Lavras do Sul. (Foto: Luiza Castro/Sul21) 

Michele Ramos destacou, por sua vez, que o projeto Retiro, da empresa Rio Grande Mineração, tem todo o município de São José do Norte mapeado para a mineração de titânio, que atingirá, caso implantado, comunidades tradicionais de agricultores familiares e pescadores artesanais. “Quando as pessoas souberam que seriam expulsas de suas terras ficaram contra o projeto e começaram a se organziar”, relatou a integrante do MAM. Somente este ano, já houve uma caminhada no centro da cidade, no dia 8 de março, que reuniu cerca de 300 pessoas, e uma assembleia popular, no dia 15 de maio, com 250 pessoas, que manifestaram posição contraria ao projeto Retiro.

A advogada Ingrid Birnfeld relatou a mobilização das comunidades da bacia do rio Camaquã contra o projeto Caçapava do Sul, da empresa Nexa Resources (Grupo Votorantin) para minerar chumbo, zinco e cobre na região. “Começamos a lutar contra esse projeto em meados de 2016 e, de lá para cá, viemos construindo uma mobilização consistente e plural. É fundamental ampliarmos a nossa luta para o conjunto da sociedade e não ficarmos falando apenas para nós mesmos, pois a intromissão das empresas no tecido social das comunidades é muito grande. Elas chegam nas comunidades muito antes de iniciarem o processo de licenciamento ambiental e trabalham para que lideranças locais passem a atuar como prepostos das empresas”.

Ingrid Birnfeld: a intromissão das empresas no tecido social das comunidades é muito grande. (Foto: Luiza Castro/Sul21) 

O projeto Caçapava do Sul vem enfrentando uma forte resistência, destacou Ingrid. Dos 28 municípios que compõem a bacia do Camaquã, só dois estão apoiando o projeto da Nexa Resources. Segundo a advogada, há uma violação metódica de direitos fundamentais envolvendo o processo de licenciamento ambiental. O direito à informação, exemplificou, é constantemente violado. “Na origem da apresentação dos estudos, temos um subdimensionamento dos impactos ambientais, audiências públicas geridas pelas próprias empresas interessadas, que chegam a controlar a lista de inscrições para as pessoas falarem”.

Ingrid Birnfeld também chamou a atenção para o comprometimento do governo do Estado com as empresas. O Plano Estadual de Mineração lançado no final do governo José Ivo Sartori (MDB) é inteiramente apoiado pelo governo Eduardo Leite. Tanto é que uma das primeiras medidas do novo governo foi fundir a secretaria do Meio Ambiente com a de Infraestrutura e colocar como titular da pasta ambiental o ex-secretário de Minas e Energia do governo Sartori, Artur Lemos Junior.

Ao final da plenária foram debatidos os próximos passos da mobilização e lido o manifesto de lançamento do Comitê de Combate à Megamineração, que segue recebendo assinaturas de apoio. “Temos o direito de decidir, de maneira soberana, entre a vida ou a destruição! Fazemos um chamamento para que todas as entidades, movimentos e pessoas comprometidas com a defesa da vida e contra os impactos dos projetos de megamineração subscrevam este manifesto. Esta luta não é apenas das entidades ambientalistas, mas de todos que se importam com a vida”, diz o documento. Confira abaixo algumas das entidades que já assinaram o manifesto:

– Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal do RS – (APCEF/RS)

– Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan)

– Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA Guaíba)

– Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

– Raiz Movimento Cidadanista Rio Grande do Sul

– Seção Sindical Andes – UFRGS

– Sindibancários Santa Cruz do Sul e Região

– Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

– Sindicato dos Bancários de Santa Maria e Região

– União pela Preservação do Rio Camaquã (UPP-Rio Camaquã)

– Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa da UFRGS

– Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil

– Associação para Grandeza e União de Palmas (AGrUPa)

– Sindicato dos Bancários de Pelotas e Região

– Central Única dos Trabalhadores (CUT/RS)

– Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras do RS (Fetrafi/RS)

– Aliança Ecossocialista Latina Americana – AELA

– Movimento de Luta Socialista (MLS)

– Preserva Belém Novo

– Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas RS)

– Movimento de Mulheres em Luta (MML)

– Greenpeace Porto Alegre 

– Amigos da Terra Brasil

– Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM)

– Sociedade Ecológica de Santa Branca (SESBRA -SP)

– Sociedade Para a Defesa do Meio Ambiente de Piracicaba (SODEMAP)

– SOS Manancial – SP

– Instituto MIRA-SERRA

– Fundação Luterana de Diaconia (FLD)

– EcoLavras Bioma Pampa

– Coletivo de Entidades Ambientalistas do Estado de São Paulo

– Campanha Billings, Eu te quero Viva – SP

– Associação Comunitária Jardim Isabel (ASCOMJISA)

– Sindicato dos Bancários do Vale do Caí

– Sindicato dos Técnico-Administrativos da UFRGS (ASSUFRGS)

– CPERS Sindicato

Edição: Sul 21