Da repressão à resistência, a Greve Geral mobilizou milhares de pessoas nas ruas de dezenas de cidades gaúchas contra o projeto de reforma da Previdência proposto pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL). Em Porto Alegre, após um dia de paralisação de diversas categorias que iniciou cedo da madrugada com piquetes nas garagens de ônibus e teve como resposta intensa força policial, resultando na prisão de mais de 50 pessoas e deixando manifestantes feridos, trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, centrais sindicais e movimentos sociais mostraram sua força em um grande ato que, segundo a organização, reuniu cerca de 50 mil pessoas no centro da cidade.
Por volta das 18h, um mar de pessoas se reunia na Esquina Democrática, em uma das maiores manifestações vistas nos últimos tempos na capital. A multidão se espalhava desde a parte baixa da Avenida Borges de Medeiros, na rua José Montaury, até as proximidades do Viaduto Otávio Rocha. A Previdência era o carro-chefe, mas os diversos ataques aos direitos sociais promovidos pelo governo também estiveram em pauta. A defesa da educação, o alto índice de desemprego e a denúncia da condenação política do ex-presidente Lula desnudada no vazamento das conversas entre o ex-juiz e agora ministro da Justiça, Sérgio Moro, e o procurador da República Deltan Dallagnol estavam presentes nos cantos e cartazes sustentados durante o ato.
O professor e realizador de cinema, Guilherme Castro, resumiu o sentimento da luta na defesa de um futuro para o povo brasileiro: “Temos que enfrentar o sistema que está se estabelecendo para botar o Lula em liberdade, barrar a reforma da Previdência e retomar o país para um caminho mais justo, mais humanitário, mais construtivo. O caminho atual é um caminho de destruição, por isso a importância de estarmos na rua”.
Trabalhadores e estudantes unidos
A importância da unidade entre trabalhadores e estudantes foi ressaltada pela professora universitária aposentada, Christa Berger. Ela foi uma das milhares de pessoas do grupo que se reuniu ainda durante a tarde na Faculdade de Educação (Faced) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, por volta das 17h, saiu em caminhada para somar-se ao ato na Esquina Democrática. “Uma das palavras de ordem é estudante e trabalhador juntos contra a reforma, aliada a outras pautas nossas que são: Lula Livre, pela Educação, pelo esclarecimento da relação entre Moro e Dallagnol. É um dia de vitória para nós trabalhadores”, avaliou.
A coordenadora da Assufrgs Sindicato, Sibila Binotto, lembrou que o governo tem usado a reforma da Previdência como moeda de troca para a liberação de recursos em gastos sociais, dentre eles os recursos para a educação. “As mobilizações de hoje são só o reflexo de tudo que está acontecendo sobre a reforma da Previdência, porque o governo está usando a reforma para atacar a educação. Mesmo que o governo venha com alguns recursos fictícios, mesmo que ele os coloque em pauta, não acreditamos, a gente acha que o governo não está sendo sincero”, afirmou.
“A gente está aqui porque sabemos que somos a geração que não vai se aposentar, a geração que entendeu que a reforma é mais do que um ataque. Vai pegar de forma geral a seguridade social e tentar destruir quem já está aposentado, quem é pensionista, quem sofreu acidente, quem precisa de remédio e sabe que o SUS não garante. É um ataque de forma conjunta a toda a vida das pessoas, é um ataque à saúde, à educação”, manifestou a professora da rede estadual, Giane Rodrigues, que também é estudante de pedagogia da UFRGS.
Repressão pela manhã
Presente no piquete em frente à garagem da empresa de ônibus Sudeste, Giane relatou a forte repressão da Brigada Militar (BM) na madrugada: “Eu tinha vindo para as garagens em outras greves, mas hoje foi desproporcional, estavam com aparato muito grande, eles chegaram em 15 minutos, com muita bomba e jato d’água. Quando saímos da garagem viemos caminhando pela Bento e eles vieram atrás jogando bomba, jogando água, jogando spray, nos encurralaram. Nós sabemos que aqueles que foram detidos ouviram muitas coisas absurdas, extremamente machistas. As pessoas estão bem abaladas, para além dos machucados e estilhaços”.
Também foram registradas ações repressivas contra manifestantes que realizavam trancaços em rodovias em diversos pontos do Rio Grande do Sul. Em nota lançada durante a tarde, o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo, teceu duras críticas à ação da BM. Para ele, “o governador revelou a sua face perversa ao mandar policiais militares agredirem piquetes de trabalhadores e estudantes com violência maior do que nos tempos sombrios da ditadura militar, deixando vários feridos”.
A luta segue
No ato, Nespolo fez uma avaliação positiva do dia. “Quarenta e cinco milhões de trabalhadores, de forma direta ou indireta, não foram produzir. Até pode ser que a elite não assuma publicamente, mas eles sabem que a fábrica teve metade dos trabalhadores e isso não gira a fábrica. Eles perderam dinheiro hoje”, afirmou. E disse que novos embates virão, até mesmo uma greve geral com dois dias de paralisações, se o governo insistir com a reforma. No entanto, disse que ainda é cedo para confirmar uma nova paralisação em todo o Brasil. “Nós vamos aguardar a avaliação das centrais a nível nacional. A luta é nacional e a orientação virá da reunião das centrais”.
O presidente da CUT-RS destacou ainda que não se pode confiar que o governo aceitou retirar da reforma a capitalização e as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural. Para ele, tal anúncio teve o objetivo de enfraquecer a greve e os itens podem retornar à pauta quando a votação for ao plenário.
Na véspera da greve geral, quinta-feira (13), o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP) apresentou um texto na Comissão Especial da Câmara retirando da proposta do governo Bolsonaro os itens citados por Nespolo. Em uma das falas do caminhão de som, onde se manifestaram representantes de movimentos sociais, lideranças sindicais, estudantes e políticos, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) também avaliou que o texto não esfria as mobilizações. “A reforma não foi suavizada. A luta continua”, disse ela, lembrando que, nesta sexta, completou-se quinzes meses do assassinato ainda não resolvido da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL).
O ato encerrou pouco depois das 20h na Av. Loureiro da Silva. Um grupo de manifestantes permaneceu no local, ocupando uma das faixas da avenida, até a intervenção da BM, que liberou o trânsito com bombas de efeito moral por volta das 21h.
No interior
Manifestações ocorreram em diversas cidades do interior gaúcho, pautando a mídia comercial durante o dia. O Brasil de Fato RS recebeu relatos de atividades em Alegrete, Bagé, Bossoroca, Cachoeirinha, Candiota, Canoas, Caxias do Sul, Cruz Alta, Eldorado do Sul, Encruzilhada do Sul, Erechim, Gravataí, Ijuí, Lagoa Vermelha, Lagoa Vermelha, Manoel Viana, esquina Boa Vista (na divisa dos municípios de São Martinho com Campo Novo), Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Passo Fundo, Pelotas, Piratini, Rio Grande, Santa Maria, Santa Rosa, Santana do Livramento, Santo Ângelo, Santo Augusto, São Gabriel, São Leopoldo, São Lourenço do Sul, São Lourenço, Sarandi e Viamão.
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Edição: Marcelo Ferreira