Construir a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil, a menos de 15 quilômetros da capital gaúcha, é o que pretende a empresa Copelmi. Alegando seguridade no processo, e que a mesma trará desenvolvimento econômico através da geração de emprego, renda e arrecadação ao município de Eldorado do Sul, ignora o fator humano e social envolvido.
A comunidade local promete resistência ao projeto. Para debater os impactos das mineradoras e da extração mineral, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) realizaram nessa terça-feira (11), durante todo o dia, a Assembleia Popular da Mineração.
Cerca de 225 pessoas, entre assentados da reforma agrária, pescadores, agricultores, estudantes, ambientalistas, quilombolas, ciganos, trabalhadores urbanos e integrantes de movimentos populares das regiões do Delta do Jacuí e Grande Porto Alegre, e representantes políticos locais, passaram pela sede do CTG Porteira da Tradição para debater os impactos socioambientais do polo carbonífero no Estado. O evento, que começou com a apresentação de uma análise da conjuntura política, feita por Cedenir de Oliveira, da coordenação estadual do MST, abordou também os impactos da reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro (PSL).
Após o almoço campeiro, oferecido pelo MST, houve uma manifestação artística através da ação mística feita pela comunidade, aludindo às consequências derivadas dos rompimentos das barragens das mineradoras em Mariana e Brumadinho e também sobre a importância dos alimentos orgânicos.
- Veja aqui a cobertura do evento através da Mídia Sem Terra
- Confira a série de reportagens no especial "Rio Grande, a nova fronteira da mineração"
- Saiba mais sobre o projeto Mina Guaíba
Impactos para além da comunidade local
Com um projeto de extração de 166 milhões de toneladas de carvão a partir de 2023, a empresa Copelmi promete a criação de 1.154 empregos diretos e 3.361 indiretos, assim como o aumento da arrecadação em Charqueadas e Eldorado do Sul. Contudo, os impactos sociais e ambientais não são mensurados pela empresa, uma vez que ela colocará em risco uma das maiores produções de arroz orgânico da América Latina, feita pelo assentamento agroecológico Apolônio de Carvalho, assim como atinge as mais de 100 famílias do condomínio Guaíba City, que terão que deixar suas casas.
“Percebemos claramente que a mineradora está tentando trazer uma visão errônea de que não vai haver impacto no meio ambiente, de que existe uma melhoria para o Estado e uma qualificação nisso, mas sabemos claramente que isso não existe. É um absurdo que um Estado como o RS, que tem tecnologia, que tem um estado riquíssimo em ciência, com ótimas faculdades, com o sistema agrário do MST que tem uma plantação orgânica já bem estabelecida e reconhecida, tiraremos isso para colocar uma extração de carvão muito pobre, um carvão de baixa qualidade. E o mais principal, a meu ver, ao lado do nosso afluente mais limpo que é o [rio] Jacuí”, aponta a bióloga e integrante do Amigos do Meio Ambiente (AMA), Naieth Bagggro da Silva.
Para o coordenador do MAM, Márcio Zonta, toda a produção agrícola da região, que também abastece uma parte considerável da Grande Porto Alegre, sofreria colapso. “É incompatível a indústria de mineração, sobretudo a de carvão, do lado de uma agricultura camponesa, que nesse caso, especificamente, produz orgânicos em grandes toneladas”.
Na avaliação de Zonta, devido à proximidade com a Capital, a discussão deveria ser levada também aos porto-alegrenses. “Essa discussão deveria ser levada a Porto Alegre porque os porto-alegrenses começarão a tomar água contaminada, começarão a comer alimentos contaminados. Futuramente, nós podemos ter aqui uma região com nível cancerígeno muito alto, como aconteceu em outras regiões do Brasil, como Goiás, que tem polos carboquímicos, mineroquímicos, que vão contaminando o solo e a água, e no caso do RS, o delta do Jacuí. Nós teríamos uma área de contaminação mineral gigantesca”, afirma.
De acordo com o professor Caio dos Santos, pesquisador do Observatório dos Conflitos do Extremo Sul do Brasil, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande (Furg), as empresas responsáveis por essas minerações tendem sempre a minorar os impactos, usando sempre o discurso de uma alta tecnologia como solução para qualquer impacto, o que na prática não acontece. “Temos percebido que na indústria de mineração eles usam, se possível, a pior tecnologia, como é o caso das barragens de Brumadinho e Mariana. Tendem também, ao se falar dos impactos, a reduzir a população a ser atingida pelo projeto, como por exemplo em São José do Norte, onde os pescadores ficam de fora dos impactos da mineração como se isso não fosse afetar a vida deles. Não é porque a lavra não se dá dentro da lagoa onde é feita a pesca que isso não pode afetar a vida dos pescadores”, exemplifica.
Para Marli Castro, secretário de agricultura de Nova Santa Rita, assentado da reforma agrária há 32 anos, a geração de empregos diretos e indiretos faz parte dos argumentos da empresa que quer ter o domínio econômico, mas que depois, na prática, não é bem assim. “A mineradora vai trazer várias perdas importantes para a sociedade, uma delas é que primeiro vai desalojar as famílias que produzem alimentos saudáveis, e instalarão ali um grande empreendimento nocivo ao meio ambiente, à saúde da população, gerando grandes rendas a essas empresas, e que não serão colocadas a serviço de quem precisa. Somente fortalecerá o poder econômico dessas mineradoras”.
A grande fronteira mineral
“O que está inscrito nessa região, a tentativa é que aqui vire uma grande fronteira mineral do RS. Temos quatro grandes projetos avançados que vão daqui até São José do Norte’, aponta Zonta.
Há em andamento no Estado do RS 166 projetos de mineração. Desses, os mais avançados são: em São José do Norte – RGM; em Caçapava do Sul - Nexa Resources S.A (ex-Votorantim); em Lavras do Sul - Águia Ressources, que se apresenta como Águia Fertilizante, que pretende minerar fosfato e calcário; e em Guaíba, o projeto Mina Guaíba, da Copelmi. “São empresas associadas com outras empresas chinesas e norte-americanas. Há muitos outros projetos que estão tramitando para estudo e há toda uma logística, não é só um projeto de mineração. Aqui em Guaíba, por exemplo, é um complexo carboquímico, são dois polos que envolverá muitos municípios”, aponta Juliana Mazurana, da Fundação Luterana de Diaconia (FLD).
Juliana destaca que há uma politica estadual de mineração que também está tramitando, da qual a sociedade civil não está participando nem da sua construção e nem dos processos de construção dos diversos projetos de mineração. “A sociedade civil está à parte, a academia não é escutada (os estudiosos, cientistas), não é dado a devida atenção a seus estudos e muito menos as comunidades tradicionais que vivem nessas áreas”.
Comunidade local resiste
De acordo com moradores do condomínio Guaiba City e do assentamento Apolônio de Carvalho, a Copelmi alega que as famílias que vivem nessa região não têm qualidade de vida, que não moram bem onde estão.
“Estamos contrapondo o que o Cristiano Weber, da empresa, diz, que nós não temos uma vida digna. Nós temos uma vida digna, somos felizes, produzimos alimentos para nós e comercializamos o excedente”, pontua Jaqueline Argolos, do assentamento Apolônio, onde vivem 72 famílias. “Nós não queremos uma mina que vai produzir um ar poluído e contaminar nossa água. Por isso dizemos não a essa mineradora”, conclui.
Denise da Silva Cardoso, de 36 anos, moradora do Guaiba City, também diz não à mineradora. “Nasci e me criei lá, estou criando meus filhos, sou a terceira geração da família que vive aqui e por isso sou totalmente contra essa mina, porque é lá que eu construí a minha casa, minha vida”, defende Denise.
Manifesto Público
Ao final da Assembleia Popular da Mineração, foi lançado um manifesto de resistência. No documento, são exigidas a consulta das populações das cidades impactadas e a rejeição da instalação das minas. Leia na íntegra:
Nós, movimentos populares, sociedade civil e comunidades em conflito, alertamos para a preocupante proposta de quatro projetos de mineração já em execução no nosso estado. São eles: Mina Guaíba em Charqueadas e Eldorado do Sul, para mineração de carvão; Retiro em São José do Norte, para extração de titânio; Três Estradas em Lavras do Sul, para exploração de fosfato; e o de Caçapava do Sul, para mineração de cobre, zinco e outro minerais. O plano para a mineração no estado não se resume aos quatro projetos que já estão em andamento, ao total temos 166 propostas de mineração.
Sabemos que a situação do Brasil é calamitante, na qual os nossos direitos não estão resguardados, as riquezas naturais são saqueadas e o meio ambiente sofre com a exploração predatória, que visam somente ao lucro das multinacionais. Os projetos de mineração previstos para o Rio Grande do Sul fazem parte do plano dos governos Jair Bolsonaro e Eduardo Leite de entrega do país e do Estado, sem qualquer compromisso com a população e suas necessidades.
Somente a Mina Guaíba da mineradora Copelmi prevê a extração de 166 milhões de toneladas de carvão a partir de 2023, ocupando um território de 4.373,3 hectares, o maior céu aberto do país distante somente 15 km de Porto Alegre. A instalação da mina comprometerá a água e o ar de 4,3 milhões de habitantes, que serão afetados pela poluição e pela contaminação, além de inviabilizar a produção de arroz orgânico em Eldorado do Sul. No lugar da produção de comida saudável teremos uma imensa mina poluidora com pouquíssimos postos de trabalho e quase nada de pagamento de impostos.
Por isso, resistimos a essa grave ameaça às nossas vidas, cidades e meio ambiente. Exigimos que audiências públicas sejam realizadas em Porto Alegre e cidades impactadas pela mineração com a população que desconhecem os projetos das mineradoras e seus impactos desastrosos, e que o governador Eduardo Leite e a Fepam rejeitem as instalações das minas em nosso estado. Afirmamos: o Rio Grande do Sul não será o novo Brumadinho de Minas Gerais.
Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!
Assembleia Popular da Mineração
Eldorado do Sul/RS
11 de junho de 2019
Edição: Marcelo Ferreira