O país tem cerca de 24 mil barragens, destas, 10.694 estão em solo gaúcho, tornando o Rio Grande do Sul o estado brasileiro com o maior número de barragens. Para debater a situação das mesmas, a Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada Zilá Breitenbach (PSDB), promoveu, na tarde desta segunda-feira (3), em Porto Alegre, a segunda audiência pública sobre o assunto. A primeira ocorreu na semana passada em Erechim.
Esta foi a última audiência da Subcomissão de Barragens, que vai produzir um relatório apontando os gargalos e propondo soluções na área de segurança de barragens. De acordo com o deputado Paparico Bacchi (PR), relator da subcomissão, o objetivo não é demonizar as barragens, mas tomar conhecimento dos problemas.
Segundo Robson Formica, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), é preciso garantir à população o direito de acesso à informação de forma ampla. Para Formica, os órgãos do Estado tem o dever de se pronunciar e promover debates, até mesmo para contrapor possíveis notícias falsas. “Se romper, como as pessoas devem agir? Ninguém quer fazer alarde, mas garantir informação correta à sociedade. Orientar as pessoas sobre os protocolos é o mínimo que o Poder Público deve proporcionar”.
ponto reivindicado pelos atingidos e ameaçados por barragens foi o posicionamento contrário da subcomissão à construção do complexo hidrelétrico binacional Garabi/Panambi, entre Brasil e Argentina. Também foi assinalada a necessidade de suporte do governo para manutenção e concertos das pequenas barragens existentes no estado. Além disso, foi proposta a construção de uma lei estadual de segurança das populações atingidas e ameaçadas por barragens, que garanta a responsabilidade das empresas para a elaboração dos planos de segurança, com efetiva participação popular no planejamento e execução dos planos.
Os encaminhamentos sugeridos ao longo das audiências públicas em Erechim, no dia 24 de maio, e em Porto Alegre, no dia 03 de junho, serão analisados pelo relator e irão compor o Relatório Final da Subcomissão.
Riscos
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público, promotor Daniel Martini, a situação no Rio Grande do Sul é preocupante, especialmente pelo alto número de barragens cadastradas na Secretaria do Meio Ambiente e Infraetrutura (SEMA). Ele defendeu a intensificação da fiscalização destas estruturas, com a sobreposição de órgãos, agregando, inclusive, os municípios nesta tarefa.
Para isso, o promotor sugeriu a “customização da lei aprovada em Minas Gerais (Projeto de Lei 3.676/16 que determina regras mais rígidas para a mineração do estado), após a tragédia de Brumadinho para garantir mais segurança à população”. Conhecido como “Mar de Lama Nunca Mais”, o texto aprovado pela Assembleia Mineira proíbe a instalação de barragens a montante, mesmo tipo de estrutura que se rompeu em Mariana, em 2015, e em Brumadinho.
Em sua fala, o representante da Secretaria do Meio Ambiente, Francisco Garcia, disse que, das barragens existentes no Estado, 1.072 apresentam dano potencial alto, contudo nenhuma em situação de emergência. Ele informou que 419 delas serão vistoriadas nos próximos meses, conforme o nível de prioridade estabelecido pelo órgão ambiental.
De acordo com o representante da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (AGERGS), Álvaro de Souza, nenhuma das barragens fiscalizadas no estado apresenta risco alto de rompimento. “Constatamos só pequenas irregularidades, além da falta de implementação de plano de ação de emergência”.
O advogado Leandro Scalabrin, membro do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), apontou para o risco de novos rompimentos de barragens no Brasil, já existindo indícios concretos, como é o caso da barragem da Lomba do Sabão, em Porto Alegre, sob responsabilidade da prefeitura e do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE). A referente barragem tem uma estrutura de mais de 40 anos, estando abandonada e sem nenhuma manutenção, aponta.
Scalabrin também abordou a violação sistemática de 16 direitos humanos na construção de barragens no Brasil, apontados pelo Relatório Final da Comissão Especial “Atingidos por Barragens” do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). “Dentre eles, está o direito ao trabalho e a um padrão digno de vida, tendo em vista, por exemplo, que muitos pescadores/as do Rio Uruguai já não conseguem viver da atividade pesqueira, pela redução drástica da quantidade de peixes, com consequências econômicas no sustento das famílias e nos modos tradicionais de vida”, apontou.
Construir o diálogo
Na avaliação da presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, é preciso colocar “todas as divergências na mesa e, a partir daí, construir as convergências possíveis”. “Discutir a questão das barragens é fundamental. Mas precisamos adotar uma postura propositiva para ajudar a promover o desenvolvimento sem ferir o direito das pessoas e a dignidade de cada um”, argumenta Zilá.
Por sua vez, o deputado federal Dionilso Marcon (PT/RS) lamentou que aqueles que questionam o impacto e a segurança das barragens são demonizados e tachados de ser contra o desenvolvimento e a geração de emprego. Também criticou o valor das indenizações pagas aos agricultores, que são obrigados a deixar suas terras por conta da construção de barragens. “Em alguns casos, receberam apenas 20% do valor das terras”, denunciou.
Para o deputado Edegar Pretto (PT), as barragens envolvem negócios “altamente lucrativos que nem sempre são acompanhados da preocupação com a segurança das pessoas”. Ele defendeu a separação dos grandes e pequenos empreendimentos. “Todos devem ser fiscalizados. Mas, como os riscos que oferecem não são os mesmos, não podemos colocar todos no mesmo saco”, ponderou.
O presidente da Frente Parlamentar em Prol da Segurança das Barragens, Juliano Franczak (Gaúcho da Geral – PSD), disse que o órgão trabalhará, especialmente, para informar a população. “Vamos trabalhar para desconstituir mitos e buscar a verdade dos fatos. Além disso, estamos atentos sobre a instalação de barragens de rejeitos no estado. Precisamos acompanhar isso com atenção e cuidado. Depois não adianta reclamar”, avisou.
Também estiveram presentes na audiência a deputada federal Fernanda Melchionna (PSol-RS), professores e estudantes da UFSM e da UFRGS, Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Mineração (ANM), Cepel, Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA), Instituto Riograndense do Arroz (IRGA), Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Movimento de Atingidos por Barragens-RS e demais representações de entidades e sociedade civil do estado.
*Com informações de Grasiele Berticelli, da coordenação estadual do MAB, e Olga Arn, da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa
Edição: Marcelo Ferreira