Atraídos pelo aceno de maior arrecadação de impostos, prefeitos e vereadores são mais permeáveis à conversa das multinacionais e grandes empresas brasileiras. Mas defensores do meio ambiente, pesquisadores e comunidades tradicionais – como pescadores, pequenos agricultores e pecuaristas e agricultores orgânicos – rejeitam a investida e prometem resistência.
“As mineradoras tem tradição de cooptar pequenos municípios que ficam contentes com quantias desprezíveis”, ataca Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, a Agapan, primeira ONG ambientalista do Brasil e que teve o agrônomo José Lutzemberger como um de seus fundadores em 1971. “São empresas que se associam com os piores piratas da humanidade como os canadenses e os chineses agora. Praticamente não pagam impostos e exaurem o local com sua destruição”, critica. “Primeiro cria-se uma crise brutal de desemprego e depois as coisas mais prostitutas aparecem sendo oferecidas para pessoas desesperadas”, acusa.
“R$ 140 milhões em tributos”
“As mineradoras chegam - acentua Michele Ramos - dizendo que as pessoas vão ser indenizadas devidamente. É o movimento que fazem porque precisam das licenças ambientais. Falam em desenvolvimento, aumento da arrecadação e dos empregos que vão gerar”. Mas ela compara com o exemplo de Minas. “É o segundo estado minerador e está em colapso ambiental e social.”
Para a advogada Patrícia Silveira, com atuação em direito ambiental, “a mineração tem prazo de duração e as cidades nunca deixaram seu estado de miséria social nem durante e muito menos após a exaustão das minas”.
“Não bastasse a poluição ambiental causada pela mineração do carvão, o projeto prevê queimá-lo em plena região metropolitana, aumentando os danos e contribuindo para as mudanças climáticas”, avisa o geólogo Rualdo Menegat, da UFRGS.
“Quem vai bombear a água?”
“Depois, quando (a Mina Guaíba) acabar, quem vai bombear a água e proteger o lençol freático pelo resto da eternidade?”, pergunta Milanez. Lembra que, ao fechar sua última mina no ano passado, a Alemanha assumiu uma despesa de 218 milhões de euros/ano (cerca de R$ 985 milhões) para realizar anualmente tal tarefa, a cargo de 500 trabalhadores da antiga mineração. “Jamais permitiriam mineração às portas de Munique ou Berlim, junto a um rio que abastece milhões de pessoas”, complementa Patrícia.
Esparramando-se por 4.373,3 hectares, a Mina Guaíba será a maior a céu aberto do país. Projeta-se a extração de 166 milhões de toneladas de carvão a partir de 2023. Seria o embrião de um grande polo carboquímico. Mas estará situada a 500 metros do Parque Estadual do Delta do Jacuí, a 1,5 quilômetro do rio Jacuí, o segundo maior do Estado, cujo caudal forma o Guaíba.
Lavoura de arroz sob risco
Também colocará em risco a maior produção de arroz orgânico do país e centenas de assentados da reforma agrária. Aliás, também sob ameaça estão 88 assentamentos situados na área dos 166 projetos. A mineração de carvão ficará distante tão somente 15 quilômetros do centro de Porto Alegre. O receio é de que a mina não só comprometa a água e ar da Capital, mas atinja também os 4,3 milhões de habitantes da região metropolitana.
Tanto o governo anterior, de José Ivo Sartori (MDB), quanto o atual, de Eduardo Leite (PSDB) demonstram simpatia pela expansão da mineração. Adversários do projeto acusam Sartori de criar o Plano Estadual de Mineração e o Plano Energético 2016-2025 sem ouvir a sociedade civil, os agricultores familiares, as comunidades tradicionais e outras vozes questionadoras.
“Injustiça geracional”
Menegat chama a atenção para outro aspecto: “Nenhum turista visita municípios com mineração de carvão”. Doutor em Ecologia de Paisagem e coordenador-geral do Atlas Ambiental da capital gaúcha, observa que “seria triste ver Porto Alegre como cidade mineradora”. Algo, para ele, que custaria caro demais para o futuro dos filhos e netos. “Seria uma clara injustiça geracional. E não temos o direito de comprometer as gerações futuras”.
Copelmi promete empregos e cuidados ambientais
Maior mineradora de carvão do país, a Copelmi contesta as acusações. Sustenta que a planta de Charqueadas/Eldorado do Sul gerará quase cinco mil empregos – a maioria deles indiretos – distribuídos ao longo de 23 anos, que é o tempo projetado de exploração da mina Guaíba. Nos cálculos da empresa, a União arrecadará R$ 140 milhões/ano em impostos, enquanto os dois municípios receberão uma injeção substancial de recursos de tributos nos seus cofres, dobrando sua receita atual de Imposto sobre Serviços (ISS).
Proteção ambiental
Diante das críticas dos ambientalistas, a Copelmi tem argumentado que investirá R$ 60 milhões em proteção ambiental. Gastos direcionados para gerenciamento de efluentes, monitoramento do ar e da água, compensação ambiental, entre outras providências. Mais R$ 14 milhões/ano seriam aplicados na mesma área. O diretor de sustentabilidade da mineradora, Cristiano Weber, nota que o processo de licenciamento das operações começou ainda em 2014, passando por três governos e já foi examinado por oito órgãos municipais, estaduais ou federais.
Edição: Marcelo Ferreira