Rio Grande do Sul

Coluna

A injeção de cada dia

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A injeção de cada dia para mim e para todo mundo é a rua. É estar na rua, conversar com as pessoas, ninguém soltar a mão de ninguém.
A injeção de cada dia para mim e para todo mundo é a rua. É estar na rua, conversar com as pessoas, ninguém soltar a mão de ninguém. - Foto: Reprodução
Está aí o dia 14 de junho, a Greve Geral, vital para a democracia brasileira

Brinco com quem encontro na primeira reunião ou mobilização do dia: “Estou pronto pra tudo depois da injeção diária que tomo de manhã.” As pessoas me olham com espanto, desconfiadas, imaginando, algumas perguntando diretamente, que eu esteja gravemente doente ou tomado de algum hábito estranho aos meia oito recém completados.

Seguinte. Levanto cedo desde sempre: filho de colono, para tirar leite das vacas; depois, Seminário, para fazer ginástica às seis da manhã; mais adiante, frade franciscano, para rezar as Matinas na primeira hora; morador da Lomba do Pinheiro e professor do Colégio Anchieta, Porto Alegre, outro lado da cidade, para pegar dois ônibus e estar em sala de aula às vinte para as oito.

Hoje, (des)aposentado militante, sigo levantando cedo. Primeira coisa de cada dia: um gostoso chimarrão com erva da Capital Nacional do Chimarrão, Venâncio Aires, minha terra. E ‘entregar-se’ por um bom tempo à internet, primeira atividade do dia, quando não estou em viagem ou em frente a alguma garagem de ônibus, como será dia 14 de junho na Greve Geral. É a injeção diária de preocupação, senão angústia, em geral, de alegria, lá de vez em quando.

Estou/estamos presos à internet. Resisti ao Whatsapp por muito tempo, até sair de Brasília. Hoje, conversar com as pessoas, atualizar-se sobre a conjuntura e o que está acontecendo no Brasil e no mundo é praticamente impossível sem as redes sociais, estar em ‘trocentos’ grupos diferentes, receber centenas mensagens por dia, acompanhar o Facebook, etc., etc., etc.

Tento me desvencilhar gradativamente das redes sociais. Difícil, praticamente impossível. Até porque meus escritos circulam quase só nas redes sociais, alguns poucos ainda em jornais diários ou semanais. Como posso, pois, pedir a meus leitores que saiam das redes sociais e, assim, estejam mais na rua, ou deixem de ficar olhando os celulares durante as reuniões, se nem eu mesmo, teoricamente avesso a este mundo, consigo fazê-lo?

Eis que me chega um convite irrecusável de Isnar Borges, da Rede Soberania: escrever regularmente para o Brasil de Fato, em seus diferentes espaços de circulação. Impossível recusar nestes tempos conturbados e de retrocessos: honra, compromisso, responsabilidade.

Assim, espero que minha injeção diária não seja mais tão solitária, e chegue mais longe. E ajude a entender a mim mesmo e a todas e todos o que está acontecendo e, principalmente, a agir coletivamente. E chegue nos jovens que se mobilizam nas ruas, nas mulheres que dizem que ninguém solta a mão de ninguém, em todas e todos que têm fé e acreditam num país justo e igualitário, numa Nação com soberania.

A realidade, dura, está à nossa volta, com desemprego, crescimento da fome e da miséria. Ninguém pode esconder-se como se nada tivesse a ver com isso, como se os problemas lhe fossem estranhos, ou como se o governo federal e o presidente eleito pudessem governar sem protestos massivos e resistência.

Está aí o dia 14 de junho, a Greve Geral, vital para a democracia brasileira e para impedir mais retrocessos nos direitos de trabalhadoras e trabalhadores. Dia 14 de junho e a Greve Geral podem ser um divisor e definidor de águas da democracia brasileira, o povo organizado, tal como vêm fazendo os estudantes, capaz de se contrapor, como em outros momentos da história, aos desmandos autoritários, ao desmonte de direitos, à destruição de um país, de uma Nação.

É preciso resistir, é preciso lutar, ocupar praças e cidades, mobilizar comunidades do campo e da cidade, escolas e Universidades. Que a Greve Geral seja um grito, não de dor, mas de libertação, de urgência, de futuro, de esperança.

A injeção de cada dia para mim e para todo mundo é a rua. É estar na rua, conversar com as pessoas, ninguém soltar a mão de ninguém.

Edição: Marcelo Ferreira