Os promotores da campanha do Dia da Liberdade de Impostos andam dizendo que carga tributária brasileira é de 40% do PIB, que, apropriada ao tempo, daria cerca de 150 dias do ano, ou seja, algum dia ao final do mês de maio. Por isso, promovem a campanha neste período. No entanto, a carga tributária brasileira tem ficado entre 31% e 33% do PIB há muito tempo, no mínimo desde 1990. Apropriando-se ao tempo, esta carga corresponderia a 120 dias do ano, ou seja, final de abril.
Esta campanha, portanto, superdimensiona o tamanho da carga tributária para potencializar seu efeito. Ao venderem combustíveis ou outros produtos a preços reduzidos, eles generalizam o que é uma anomalia do sistema tributário brasileiro, ou seja, a elevada carga de impostos que afetam os preços, criando, dessa forma, a sensação de que a carga tributária é maior do que ela realmente é. Isso porque, mais da metade do que arrecadamos são tributos que incidem sobre o consumo. Dar-se conta disso é realmente muito importante, pois este é um fator injustiça fiscal, que implica que são os mais pobres que mais pagam tributos no Brasil. Mas não é correto dizer que, por esse motivo, a carga de tributos seja muito grande para todos. Na verdade, como a tributação é bem mais branda sobre a renda (21% da arrecadação total) e sobre o patrimônio (4% da arrecadação total), os muito ricos acabam sendo bastante beneficiados. Se os mais pobres necessitam de 5 meses de trabalho para pagar tributos, os muito ricos precisam de menos do que 3 meses no ano. O problema do sistema tributário, portanto, não está no tamanho da carga como querem nos mostrar, mas na sua distribuição.
O que as entidades promotoras desta campanha estão propondo de fato, mas sem dizer expressamente, é a redução do tamanho do Estado. O Estado brasileiro, tal como definido na Constituição Federal é um Estado de Bem-Estar, portanto, é um Estado que precisa ter uma elevada arrecadação de tributos para poder fazer frente a todo o conjunto de direitos sociais previstos.
Para ficar mais claro a função dos tributos, sugiro que façamos o seguinte exercício:
- Imaginemos uma família de 4 pessoas que tenha uma renda R$ 5.072,00 (segundo o IBGE a renda percapita média no Brasil, em 2017, era de R$ 1.268,00). Com uma carga tributária de 33%, esta família pagaria R$ 1.673,76 de tributos por mês, caso a tributação fosse distribuída proporcionalmente a renda de cada um.
- Sobraria, portanto, para esta família R$ 3.326,00. Olhando simplesmente os números, parece que a tributação é realmente muito pesada. O que sobra é muito pouco para tudo o que gostariam de adquirir ou de fazer. Terminando por aqui o exercício, teríamos a sensação de que os tributos realmente atrapalham a nossa vida, pois, sem eles poderíamos adquirir muito mais coisas.
- No entanto, pensando o mesmo exemplo, por outro ângulo, talvez cheguemos a uma conclusão diferente. Se não houvesse esta tributação, esta família poderia contar com R$ 1.673,76 a mais em sua renda todos os meses, o que não é desprezível. Este valor corresponde a R$ 14,00 por dia para cada membro da família.
- Vamos então aos fatos da vida normal. Como os dois filhos do casal estão em idade escolar, é necessário pagar duas mensalidades em uma escola privada.
- Além disso, é necessário também contratar um plano de saúde para toda a família, pois nunca se pode prever quando vai precisar de algum atendimento médico ou hospitalar, especialmente com crianças em casa.
- Contando que nenhum imprevisto ocorra, como, por exemplo, algum acidente de trabalho, acidente de trânsito ou demissão do emprego, é preciso também pensar que um dia os adultos serão idosos e não terão mais condições de trabalhar. Assim, algum valor precisa ser aplicado em alguma previdência privada.
Será que os R$ 1.673,76 a mais todos os meses podem dar conta destas três despesas diretas desta nossa família? Os defensores da redução do Estado dizem que se as pessoas não pagassem os impostos conseguiriam muito mais do que o Estado lhes oferece. Será possível?
Mas os tributos não pagam apenas estas coisas que interessam diretamente à família. Há também os serviços públicos, o saneamento, a pavimentação das ruas, as praças, o policiamento, a iluminação pública, a infraestrutura, as prisões, o combate a incêndios, os prontos-socorros, postos de saúde, a justiça, a defesa civil, as forças armadas, as farmácias populares, as campanhas de vacinação, as universidades, as pesquisas científicas, as fiscalizações, etc., etc., etc..
O Dia da Liberdade de Impostos mostra somente o que pagamos de impostos, mas esconde o que os impostos pagam. Não dá para imaginar nossa vida sem tributos, sem imaginá-la também sem os serviços públicos. Não dá para propor reduzir os tributos sem dizer quais serviços públicos deixaremos de ter.
* Dão Real Pereira dos Santos é diretor de Relações Institucionais do Instituto Justiça Fiscal e membro do coletivo Auditores Fiscais pela Democracia.
Edição: Marcelo Ferreira