Cabe a pergunta. Existe um papel formal das redes sociais dentro do conflito político? Creio que não necessariamente. O papel das redes sociais é o que cada força política, cada agente coletivo, cada ator individual decide o que fazer com as próprias redes. A relação direta, líder político e bases e redes afins, passando menos pelo controle dos partidos e instâncias decisórias, traz uma tentação para os operadores políticos. Daí o uso permanente para fins de “criação de celebridades”, realizando um proselitismo permanente.
Óbvio que o decoro segue, mas a pessoalidade na comunicação já quebra o decoro, mesmo que “informalmente”. Existem decoros segundo cada cargo e estes deveriam – pela normativa – serem respeitados. Então há quebra de decoro, como por exemplo, no “chuveiro dourado”? Sim, mas o que ocorre é que para atingir o operador político que executa a quebra de decoro este precisa estar em situação de fragilidade. Não basta aplicar o regulamento, pois o jogo político é real, não apenas formal.
Entendo que na prática, acabou a separação entre o titular do cargo e o cargo em si. Jamais deveria ser de uso direto do mandatário, do titular do Poder Executivo, o emprego do Twitter pelo eleito, e sim por sua equipe. A não ser que houvesse um rigor por parte do Executivo eleito. Mas, reconheço que isso hoje em dia é quase impossível e a personalização no curto prazo parece irreversível.
Vejam bem, não sou contra o debate político, mas sim contesto a despolitização e a espetacularização em torno deste. O debate político é sempre bem-vindo, mas, a bolha que se autoreferencia é um gigantesco problema para a democracia, reconhecendo a democracia também como a esfera pública e a possibilidade de convencimento de um setor sobre outro, ainda que de forma parcial. O embate na política sempre houve, o problema é a arregimentação das pessoas comuns, despolitizadas e desorganizadas, através dessas guerras. Ou seja, as bolhas lamentam a criação de mais bolhas e cada vez mais isoladas. Só quem fatura com isso são os operadores políticos de discurso recheado de chavões e apontando para superexploração e as posturas mais conservadoras.
E neste baile de insanos, até os grupos econômico-ideológicos de comunicação de massa entram na dança macabra. Os setores profissionais de mídia, aqueles conglomerados que ainda precisam definir-se como “mídia” e não aparelho de propaganda, terminam “cobrindo” o Twitter dos operadores políticos, especificamente do atual presidente. Logo, os factoides geram mais cobertura, que alimentam mais factoides. Mas, política é sempre e também é discurso, logo, não há como escapar disso.
Infelizmente o poder do algoritmo anda tenebroso. Aquilo que se publica via Twitter e outras plataformas de interação, de redes sociais, organiza o debate da sociedade em função dessas polêmicas. Como já disse antes, “politiza despolitizando” e espalhando chavões, Fake News e discursos vazios, mas inflamados. Estamos sendo mais despolitizados com o discurso político superficial circulando.
Mas o Twitter por si, ou qualquer microblog, não é “responsável” por si. O melhor e o pior dependem sempre do projeto político. Para quem quer despolitizar a sociedade e “brilhar na internet”, o emprego atual é excelente. Se a meta for democratizar a democracia e garantir direitos e participação, o uso atual personalizado e pessoalizado é tenebroso.
Daí a necessidade de disputa hegemônica também na comunicação eletrônica. É importante pensar em redes sociais que não passem pelo algoritmo da NSA, dos EUA. Logo, um país soberano deveria incentivar redes sociais que não estejam sob controle de empresas de internet do Vale do Silício, todas elas subordinadas pelo Ato Patriótico, Decretos FISA e exigências de “segurança nacional” do Pentágono e da Casa Branca. Plataformas abertas e sob controle social, conforme o preconizado e defendido pelas alas mais democráticas do Comitê Gestor da Internet. Infelizmente, saímos da era Lula-Dilma com pouco acúmulo nessa área e hoje estamos ainda mais distantes, em função do uso empresarial da internet política. Mas, a luta é em todos os níveis e a internet é um campo de batalha.
* Bruno Lima Rocha é cientista político, pós-doutorando em economia política, professor nos cursos de relações internacionais e de jornalismo. Escreve no blog Estratégia e Análise.
Edição: Marcelo Ferreira