Neste domingo, 26 de maio, ocorreram várias manifestações pelo Brasil de apoio -- que deveria ser ao governo e se reduziu ao núcleo bolsonarista. O tamanho dessas manifestações demonstra que esse núcleo perdeu certa capacidade de ampliação do apoio para além da extrema direita. Mas, simultaneamente, demonstra que esta extrema direita ainda é relevante no quadro atual e capaz de articular setores que se demonstram dispostos ao enfrentamento.
A questão maior não repousa exatamente no tamanho das manifestações, mas sim, na relação cada vez mais fragilizada entre o núcleo de extrema direita, clã Bolsonaro-Sergio Moro, e a centro direita mais tradicional, expressa por Rodrigo Maia-Centrão. O primeiro grupo com ainda relevante capacidade mobilizatória e convocatória, com forte recursos de redes sociais e iniciativa no campo ideológico com base em axiomas neofascistas e autoritários e o segundo grupo com controle de fortíssima bancada no Congresso Nacional e mais confiável ao capital financeiro e grande empresariado, mais pragmaticamente focado nas pautas do empresariado.
As reformas estratégicas para o neoliberalismo, profundamente antipopulares e extorsivas, dependem da maioria no Congresso, o qual é um dos centros do ataque do Bolsonarismo. Demonstrativo disto é que grande parte das palavras de ordem deste domingo foram contra “a velha política”, contra o Congresso e contra as grandes empresas de comunicação, setores que foram vitais para o processo golpista dos últimos anos e a vitória desse campo nas eleições de 2018. Bolsonaro depende mais do que gostaria dessa maioria parlamentar para sustentar seu governo. O conflito entre esses setores do retrocesso é antes de mais nada uma disputa pela direção política tanto do governo quanto do bloco de forças que o sustenta, ainda não resolvida.
Os centros de hegemonia neoliberal-reacionária no Brasil não residem somente na esfera do Governo Bolsonaro, se articulam em centros de difusão de pensamento, de políticas privatistas, na mídia empresarial e continuam em ofensiva para aprovar as medidas de ajuste e privatização no Congresso. As organizações, lobistas e lideranças empresariais agem diretamente sobre a maioria conservadora do Congresso, independentemente do Governo. Esse é o risco de abandono e desestabilização que sofre Jair Bolsonaro.
O quadro é de extrema conflitividade, e a unidade do bloco de forças autoritário-neoliberal sofre abalos ainda que se mantenha, por enquanto ao menos, agindo combinadamente. Neste espaço que as forças populares podem reagrupar vitalidade ainda que em um processo não tão curto no tempo. A obstrução às reformas estruturais privatistas e extorsivas é chave para impedir um retrocesso na construção dos direitos fundamentais dos trabalhadores e reduzir sua capacidade de ação como classe social.
Se parte da resistência de caráter popular se dá no Congresso, nas universidades e centros de pensamento se pode organizar um novo programa de transição para o país é na mobilização de rua, em defesa da democracia e desses direitos fundamentais, onde as vanguardas da esquerda e os movimentos sociais se encontram com as pessoas sem participação política regular, que se pode criar força política para uma retomada da ofensiva do campo popular.
Contudo, não é razoável repetir certos erros de simplificação. Deter o poder ou retirá-lo de outrem não é um concurso de maioria numérica, quem ganha ou perde eleições, quem coloca mais ou menos gente em manifestações. Para efetivar-se efetivamente esse processo de luta pelo poder político é que se torna relevante vencer eleições e ter grandes manifestações. Mas esse objetivo não poderá ser conquistado se a estratégia não estiver voltada a desenvolver capacidade de convencer sua base social, no caso da esquerda a classe trabalhadora, de seu programa e de seus valores. Valores democráticos radicais, de solidariedade e igualitarismo, e de programa, distributivista e soberano.
A luta pela interrupção da desdemocratização em curso no Brasil é uma luta de hegemonia. O crescimento da extrema direita e com ela do autoritarismo e do neoliberalismo no Brasil não é um acaso, uma espécie de “raio em um céu límpido”. É, sim, uma atualização de estratégia do bloco hegemônico. O neoliberalismo precisa do autoritarismo para “entrar” em nova fase da acumulação, a da ultra espoliação. As manifestações tenderão a crescer se, progressivamente, mais setores se aperceberam que construir um novo governo popular está diretamente relacionado ao crescimento dos valores da igualdade e dos direitos.
* Jorge Branco é professor, sociólogo, mestre e doutorando em Ciência Política
Edição: Redação