A manifestação que tomou as ruas do Brasil, no fim de semana, de apoio ao governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), surpreendeu os seus adversários políticos e aliados que eram contra a realização do evento por temerem que se repetisse o fiasco que aconteceu com o ex-presidente Fernando Collor, o Caçador de Marajás, como se intitulava por combater a corrupção. Em 1992, ele foi encurralado pela oposição, acusado de corrupção, e pediu que os seus apoiadores vestissem camisas com as cores do Brasil em sinal de apoio ao seu governo. Eles vestiram preto. Collor renunciou para tentar escapar do impeachment. Usando o vocabulário dos jornalistas políticos, analisando resultado de pesquisa eleitoral: houve um empate técnico na comparação do volume das manifestações a favor do presidente com o protesto feito do dia 15 por estudantes e professores contra o corte de verbas em universidades e institutos federais.
Hoje, 27 de maio, é o dia seguinte às manifestações de apoio a Bolsonaro. Vejo uma grande oportunidade que nós, repórteres, temos de fazer uma autópsia do que aconteceu para entendermos como funciona o grupo político do presidente da República, que, até agora, é um mistério para a maioria dos jornalistas, especialmente para os mais jovens que trabalham nas redações e precisam fazer três ou mais pautas diárias. O que significa que eles não têm tempo de apurar as informações em profundidade, o que significa a produção de conteúdo jornalístico superficial. A primeira coisa que precisamos saber é quem pagou a conta da estrutura colocada à disposição dos manifestantes – carros de som, mobilização na internet e outras despesas. Durante a campanha, cada grupo que apoiava a candidatura de Bolsonaro pagava as suas próprias despesas. Como é agora?
O passo seguinte é sobre as pautas defendidas pelos manifestantes, três delas merecem destaque: contra Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Supremo Tribunal Federal (STF) e os deputados do chamado Centrão – grupo de parlamentares conservadores acusados de trocar voto por favores políticos. Nessa avaliação, temos que levar em consideração que a Constituição garante o direito aos manifestantes de criticar Maia, o STF e o Centrão. Faz parte do jogo político. Como também faz parte do jogo o presidente Bolsonaro afirmar que “as ruas estão pressionando pela aprovação dos projetos do governo pelos parlamentares’. Como também é do jogo a avaliação da oposição de que o volume de pessoas aguardado pelo grupo político do presidente não foi o esperado. Foi bem menor. O que nós, repórteres, devemos esclarecer é o que ficou nas entrelinhas desse episódio. Há muito tempo, o grupo político de Bolsonaro vem batendo na tecla de que questionar o Projeto da Nova Previdência, do ministro Paulo Guedes, é apostar na quebra do Brasil, levantar suspeitas sobre a eficiência do projeto anticrime do ministro Sérgio Moro e apoiar as organizações criminosas e a corrupção. A manifestação de apoio a Bolsonaro não tinha como alvo principal fazer frente ao protesto pelos cortes de verbas para a educação. Mas de aproveitar a ocasião e colocar um número de manifestantes nas ruas de tal grandiosidade que os autorizasse a enfiar goela abaixo dos parlamentares seus projetos. Nesse sentido, a manifestação foi um fracasso.
Mas esse tipo de estratégia já deu certo no Brasil. Em 1964, várias entidades organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que tinha como objetivo denunciar a influência dos comunistas no governo do presidente João Goulart, o Jango do antigo PTB do Rio Grande do Sul. No total, foram 49 marchas que desestabilizaram o governo e abriram as portas para o golpe militar (1964 a 1985). A ideia hoje não é desestabilizar o governo. Mas os parlamentares que estão dificultando o trâmite dos projetos. E o STF, que questiona a legalidade de decretos do governo, como a flexibilização do porte de armas. A verdade é outra. O governo Bolsonaro não decolou por falta de habilidade política de negociar os seus projetos e de capacidade para gerir a máquina administrativa do país. O fato é que tudo que o governo toca vira confusão. Os brasileiros acordam com uma confusão criada pelo governo, almoçam com outra e vão dormir com mais uma. É como se estivéssemos em uma montanha-russa. Como falam os gaúchos da fronteira: “competência não se compra em farmácia”.
* Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.
Edição: Redação