A proposta de instalação de uma mina de carvão a céu aberto em uma área localizada entre os municípios de Eldorado do Sul e Charqueadas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, começa a desencadear um debate que diz respeito à vida de aproximadamente 4,3 milhões de pessoas que vivem neste território. Os impactos do projeto da Mina Guaíba, da empresa Copelmi Mineração Ltda., foram o tema central do debate realizado na noite desta quarta-feira (22), no auditório da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Promovido pelos diretórios acadêmicos dos cursos de Engenharia de Minas e Engenharia Ambiental, da UFRGS, o debate lotou o auditório da Economia, sinalizando o crescente interesse pelo tema que já é motivo de polêmica.
A organização do debate iniciou o encontro pedindo desculpas por ter restringido a participação à comunidade acadêmica da UFRGS. O motivo, segundo os organizadores, foi o elevado índice de inscrições pela página do evento no Facebook, que acabou se confirmando na hora do debate com o auditório da Economia lotado. Participaram como debatedores o engenheiro civil Cristiano Weber, representando a Copelmi, André Zingano, professor do Departamento de Engenharia de Minas, da UFRGS, Rualdo Menegat, geólogo e também professor da UFRGS, e o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez. Weber e Zingano defenderam o projeto da mina, enquanto Menegat e Milanez levantaram uma série de questionamentos sobre os impactos sociais e ambientais do mesmo.
Cristiano Weber iniciou sua participação defendendo que, apesar da preocupação mundial em reduzir a utilização de combustíveis fósseis, o carvão continuará a ser uma importante fonte de energia nas próximas décadas. Citando dados da Agência Internacional de Energia, ele assinalou que o cenário para 2040 aponta ainda o carvão como responsável por 23% da produção de energia, contra 15% proveniente de fontes renováveis. A argumentação do engenheiro da Copelmi teve um caráter pragmático, baseando-se na continuidade da utilização do carvão como fonte de energia, nas reservas que o Rio Grande do Sul possui e na promessa de progresso e desenvolvimento para o Estado. Segundo ele, o objetivo da Mina Guaíba é “viabilizar a política energética do Rio Grande do Sul”, propiciando a instalação de um Pólo Carboquímico que faria o PIB do Estado aumentar em até R$ 23,4 bilhões entre 2019 e 2042.
O engenheiro assegurou que a Copelmi tem condições de fazer essa exploração de carvão a céu aberto de um modo “sustentável” e classificou como “fake news” algumas informações que vêm circulando sobre o projeto como a de que a mina teria uma barragem de rejeitos. Ele enumerou algumas características da mina que fariam dela a “mais moderna do Brasil”: além do carvão, produção de areia e cascalho fora de rios e lagos, reciclagem de 100% da água industrial, inexistência de barragem de rejeitos, criação de 5 mil empregos por 30 anos e localização a 1.500 metros do rio Jacuí. Ainda segundo o engenheiro, “se tudo der certo”, a Copelmi pretende iniciar a exploração de carvão na área em 2023. Em sua apresentação, Cristiano Weber não fez referência aos impactos sociais do projeto da mina, como a necessidade de deslocar populações que residem na região, como as famílias do assentamento de Reforma Agrária Apolônio de Carvalho, produtoras de arroz orgânico, que não querem deixar suas terras.
O professor André Zingano fez uma defesa geral da importância da mineração para as nossas vidas. “Nós precisamos da mineração e nossas vidas dependem cada vez mais da mineração. Se olharmos ao nosso redor, praticamente tudo tem mineração. Essa é uma das atividades mais antigas do mundo”. Zingano manifestou confiança na legislação ambiental brasileira para garantir que o projeto da mina de carvão devolva a área com “equilíbrio ambiental”. “A Copelmi tem um pioneirismo em seu trabalho com o meio ambiente. Vem gente de todo o país e de outros países conhecer o trabalho que a empresa faz aqui”, afirmou ainda o professor do curso de Engenharia de Minas.
O geólogo Rualdo Menegat, que foi coordenador da elaboração do Atlas Ambiental de Porto Alegre, chamou a atenção para a complexidade da composição química do carvão e disse que falar em mineração de carvão limpa é um oximoro. O carvão possui cerca de 59 elementos em sua composição, assinalou, o que representa mais da metade da tabela periódica. Alem do carbono, principal elemento presente neste mineral, possui outros como enxofre e arsênio, que tem potencial poluidor. “O carvão é uma espécie de lixão químico”, resumiu Menegat.
Para o professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia da UFRGS, a água é um tema crucial no debate sobre os impactos sociais e ambientais do projeto da Mina Guaíba, em especial pela possibilidade de drenagem ácida, fenômeno que ocorre quando minerais com enxofre são extraídos da terra e oxidam-se na superfície por reação com água e oxigênio atmosféricos. “Estamos falando aqui de uma mina de carvão localizada a nove quilômetros de Eldorado e a 16 quilômetros do centro de Porto Alegre, em uma área de mais de quatro mil hectares, o que equivale a um território de 7,8 quilômetros por 4,2 quilômetros. E a mineração do carvão não envolve apenas a remoção de terra, cascalho e areia. Há dois aqüíferos presentes naquela área, o aqüífero Quaternário e o Rio Bonito que terão que sofrer um processo de bombeamento e rebaixamento para a extração do carvão”, disse.
Em sua apresentação audiovisual, Menegat recortou a área prevista para a mina de carvão entre Eldorado do Sul e Charqueadas, deslocando-a para dentro da cidade de Porto Alegre, o que acabou provocando uma reclamação do engenheiro da Copelmi. “Para que fazer isso?” – questionou Cristiano Weber. Para se ter uma ideia da dimensão desse projeto, respondeu o geólogo. “Temos mais de 4,3 milhões de pessoas vivendo em uma área (Região Metropolitana) que já é muito impactada ambientalmente. E vamos colocar uma mina praticamente dentro da cidade?”. O geólogo também alertou para os riscos que a mina traz para o Parque Estadual Delta do Jacuí. “É o maior bem ecológico da Região Metropolitana. Teremos efluentes resultantes da atividade da mina descendo do Jacuí e se depositando nas ilhas do Delta”. Diante deste cenário, Rualdo Menegat defendeu a realização de um plebiscito envolvendo a população de toda a Região Metropolitana, proposta que foi bastante aplaudida no auditório da Economia. “Cada cidadão deve ser considerado como um elemento decisório neste processo. É uma questão de justiça geracional”.
Francisco Milanez fez questão de destacar que o foco do debate não era a atuação da empresa Copelmi nem a mineração de um modo em geral, mas o projeto da Mina Guaíba. “Nós temos hoje uma tendência mundial de uso decrescente do carvão, embora ele ainda seja crescente na Ásia, mas a um alto preço. A China, hoje, está construindo novas cidades em função da situação de degradação ambiental que atinge a população de diversas regiões de seu território. A Inglaterra fechou suas três últimas minas de carvão em 2015. Do mesmo modo, a Alemanha que está gastando hoje 220 milhões de euros por ano para controlar riscos de contaminação derivados de minas de carvão desativadas. O que precisamos debater aqui é qual o custo de o Rio Grande do Sul virar um Estado minerador”, afirmou o presidente da Agapan.
Além do projeto da Mina Guaíba, Milanez apontou outros três que causam maior preocupação hoje no Estado: Caçapava do Sul (mineração de chumbo, cobre e zinco às margens do rio Camaquã), Três Estradas (extração de fosfato em Lavras do Sul), Retiro (mineração de titânio em São José do Norte). “Que modelo de desenvolvimento queremos construir com isso? Quem aqui vai querer morar em uma cidade mineira? Ao lado de Charqueadas temos a mais antiga mineração do Estado e a cidade segue pobre. Que opção de desenvolvimento é esta?”, questionou.
Em todas as regiões metropolitanas do mundo, hoje, acrescentou o ambientalista, há uma preocupação em se proteger as nascentes de água e o ar por meio da construção de cinturões agroecológicos. “Essa é uma tendência mundial. Vamos seguir na direção contrária? Na área que a Copelmi pretende explorar temos hoje assentamentos que produzem arroz orgânico e hortifrutigranjeiros. Isso é o que há de mais moderno, produção de alimentos orgânicos perto dos centros de consumo. É importante lembrar que a alimentação ainda é a questão mais importante. A Copelmi pode minerar em outro lugar que não vai deixar de existir por isso”.
Cristiano Weber e André Zingano contra-argumentaram fazendo uma defesa da importância da mineração em nossas vidas. “Sem a mineração voltaríamos ao mundo das cavernas. Tudo neste prédio em que estamos tem mineração”, disse Weber. O engenheiro da Copelmi disse também ser favorável à produção de alimentos orgânicos, mas questionou: “Quanto é custa mesmo o quilo do arroz ecológico hoje?”.
Menegat e Milanez replicaram dizendo que não era a atividade da mineração em geral que estava sendo discutida ali, mas sim o projeto da Mina Guaíba. “Nós não desenvolvemos uma cultura de mineração razoável. De modo geral, as empresas adotam uma estratégia de “greenwashing” que traz uma retórica ambiental que não corresponde à realidade dessa atividade no país”, assinalou Menegat, lembrando o histórico da mineração no Brasil.
Após a apresentação dos painelistas, o debate seguiu noite adentro com perguntas feitas pela organização do encontro e também pelo público. A discussão que se seguiu daí evidenciou que há muitas dúvidas e polêmicas cercando o projeto da Mina Guaíba que demandam um debate mais amplo, especialmente com a participação das populações diretamente atingidas pelo mesmo. No dia 27 de junho, será realizada uma audiência pública em Eldorado do Sul, para debater o projeto. A audiência está marcada para iniciar às 18 horas, no ginásio da Escola Municipal de Ensino Fundamental David Riegel Neto.
Edição: Redação