Rio Grande do Sul

vozes negras

Projeto Humanidade terá como tema 'Palavra Negra' no Centro Histórico-Cultural Santa Casa, em Porto Alegre

Em dois dias, iniciativa prevê oficinas, palestras, show e exposição de artes, promovendo diálogo e reflexão

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Rapper Cristal Rocha fará show na quinta-feira (26), às 19h30min, com duração de uma hora - Alisson Batista / Divulgação

O Centro Histórico-Cultural Santa Casa apresenta nesta semana, nos dias 25 e 26, o Projeto Humanidade, com o tema “Palavra Negra”. A curadoria é de Camila Falcão e a inscrição é gratuita, na página do CHC Santa Casa na página do Sympla.

O evento oferece uma plataforma vital para que as vozes negras, muitas vezes marginalizadas, sejam ouvidas e valorizadas, permitindo que suas histórias, lutas e conquistas possam ser compartilhadas com o público, através de oficinas, palestras, show e exposição de suas artes, promovendo um espaço de diálogo e reflexão, onde a narrativa do povo negro é centralizada e respeitada.

De acordo com Camila, “a curadoria de um evento dedicado ao movimento negro e à importância da palavra do povo negro não é apenas uma celebração da rica herança cultural e histórica, mas também um poderoso ato de afirmação e reconhecimento. Entender que estamos situados em um estado que é majoritariamente branco e que somente valoriza as culturas ancestrais europeias, nos faz levar uma vida em torno do silenciamento. Porém estamos aqui, estamos vivos. Reconhecendo a nossa força, nossa resiliência e a nossa contribuição de uma cultura plural para um espaço que por muitas vezes nos foi negado”, diz.

A programação prevê exposições, feira de artesanato, oficinas de dramaturgia negra, de fanzines com poetas vivos, de criação fanzines (publicação não profissional e não oficial, produzido por entusiastas de uma cultura particular).

O objetivo da iniciativa é o desenvolvimento dos jovens através da criação artística de um livreto independente. A oficina tem como propósito potencializar a individualidade de cada educando, representando as diversas possibilidades da imaginação em conjunto com a arte, registrando cada história em uma publicação de livro, seja no formato de texto, desenho, pintura ou colagem. O objetivo final é mostrar que nem todo livro precisa ser publicado por editora para ser uma potência literária.

No primeiro momento, os educadores contam a história por trás do nome “Fanzine”, mostrando que a origem do nome é “revista fan”, o que significa que foi criada por autores que não tinham condições de fazer uma publicação considerada oficial na época. No segundo momento, será mostrado um acervo de fanzines independentes com obras de poetas do Estado, apresentando a diversidade de cada obra conforme a vivência e gostos pessoais dos autores. Em seguida, os educandos recebem o material para a produção: folhas, revistas, tesouras, colas, lápis e canetas coloridas. 

Após os materiais estarem posicionados, os educadores demonstram modelos de dobraduras e recortes de fanzines, incentivando os jovens a criarem seus próprios modelos ou utilizarem os sugeridos. A próxima etapa é a criação, onde os alunos deverão utilizar suas vivências, gostos pessoais e imaginação para criar seus próprios fanzines. As obras podem ser sobre poesia, desenho, colagem ou pintura. O resultado final tem como foco principal a manifestação artística individual, portanto, cada jovem é livre para projetar o seu livreto. Por último, a turma deverá apresentar sua criação para que todos possam conhecer o resultado final.


Teatro do Centro Histórico-Cultural Santa Casa tem capacidade para até 284 pessoas / Divulgação / Santa Casa

Poetas Vivos é uma iniciativa cultural criada na cidade de Porto Alegre, em 2018, por jovens negros com o objetivo de valorizar e potencializar a arte preta e periférica em território nacional. Possui frentes de atuação nos estados do Rio Grande do Sul e no Acre.

O coletivo promove projetos culturais e sociais por meio da literatura, da educação, da música e do afroempreendedorismo. Além da resistência, o grupo acredita na autoestima, na saúde mental e no afeto como pilares fundamentais na luta antirracista.

O grupo atua diretamente em escolas públicas, colégios, universidades, centros de cultura, casas de festas, espaços públicos e privados realizando eventos, oficinas de produção de fanzines e rimas, performances poéticas, rodas de conversas, SLAM (batalha de poesia) e shows musicais.

Na bagagem, o coletivo traz o livro publicado pela editora Bestiário, “Vozes da Revolução” (2019), e pela editora Escola de Poesia Amefricana, “NÓS – Versos de liberdade e melanina” (2021), além de uma série de fanzines e livretos publicados de forma independente.

Ao longo de sua existência, Poetas Vivos contou com diversas formações e esteve presente nos mais relevantes eventos e campeonatos de poesia falada no Estado e no Brasil. Atualmente, no Rio Grande do Sul, integram o coletivo os multiartistas Felipe Deds, Mariana Marmontel, DaNova, DJ Ericão e Maicon PNA.

Felipe Deds

É poeta, educador social, produtor cultural e Slammaster. O multiartista é idealizador da Iniciativa Cultural Poetas Vivos, Slammaster do Slam (competição poética sobre temas atuais) da Tinga, integrante do grupo Síganus e da gravadora GuetoAnonimato Records.

Desde 2016, faz parte do movimento Hip Hop e acredita na arte como força transformadora na vida de jovens da periferia. Deds é campeão nacional de Slam em Duplas 2018 e campeão interestadual do IV Torneio dos Slams 2020, autor dos livros “Vozes da Revolução”, “NÓS versos de liberdade e melanina” e uma série de fanzines independentes publicados pelo Coletivo Poetas Vivos.

Mariana Marmontel

É atriz, produtora e empreendedora cultural. Atualmente, integra o coletivo Poetas Vivos, levando educação, literatura e arte nos mais variados espaços, como escolas, instituições públicas e privadas, entre outros. É designer da marca A Dona da Roda e atua no movimento Hip-Hop em Porto Alegre desde 2014, desenvolvendo funções de Mestre de Cerimônias (MC) em diversas Batalhas de Rap e Slams e produtora de eventos/shows neste segmento.

Show com Cristal

A artista Cristal Rocha declamou sua primeira poesia publicamente aos 15 anos. Hoje está com 22. Vulnerável mas firme, mostrava, apreensiva, versos que havia preparado para apresentar no sarau negro Sopapo Poético. Daquele dia até aqui, descobriu as competições de poesia falada dos slams, tornou-se campeã regional da modalidade, publicou livros, migrou para a música, viu um rap autoral estourar, gravou com Djonga, abriu shows nacionais, subiu ao palco do Planeta Atlântida e lançou agora seu primeiro EP — Quartzo, que chegou em julho às plataformas digitais.

Ela fará show no dia 26, às 19h30min, com duração de uma hora. Apresentará os primeiros singles, passando por algumas músicas do EP Quartzo até chegar nas músicas atuais. Ritmos como a MPB, o reggae e o samba, presentes na musicalidade da família, se unem às batidas mais próximas do rap, como o R&B e o trap, e revelam, rima a rima, uma nova fase de quem, em quatro anos desde os primeiros poemas declamados e apenas dois do primeiro lançamento musical — Rude Girl, de 2019 —, atingiu a maioridade também na arte.

Nas letras, foi a subjetividade que ditou os versos. Com uma trajetória na música marcada pela escrita sempre atenta ao entorno, em Quartzo, Cristal se permitiu falar ao outro muito mais a partir de si: uma jovem mulher negra da periferia da capital gaúcha, artista, que anseia demarcar seu lugar no mundo por meio das palavras, dos ritmos e dos sons.

"Minhas primeiras músicas diziam muito sobre o que eu via no externo. Quartzo é muito mais sobre o que me incomoda, sobre as minhas questões pessoais, que eu acho que também precisava falar. Mas também é ato de resistência, também é amor, também é cuidado", explica. A música e a poesia são quase como livros abertos sobre a nossa vida. Sempre senti esse incômodo e, ao mesmo tempo, essa necessidade de falar. Isso está sempre me dividindo como artista e como pessoa.

Cristal Rocha é uma rapper porto-alegrense. Cristal vem do bairro Vila Nova, na zona sul da capital gaúcha. Estudou durante toda sua vida escolar no colégio particular e católico Santa Teresa de Jesus, lugar em que se via como uma das poucas pessoas pretas entre muitas pessoas brancas.
 
*Com informações do CHC Santa Casa.


Edição: Vivian Virissimo