Rio Grande do Sul

PELAS RUAS

Taxista supera três ‘pandemias’ e vive se reinventando

José Cestari virou palestrante do turismo e da luta contra o câncer

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
“A vida só tem graça se a gente arrumar sempre novos desafios para superar. Não vou desistir” - Foto: Divulgação

O taxista José Cestari já enfrentou três pandemias nos últimos dez anos, mas não desiste. A primeira tragédia na sua vida foi a entrada dos aplicativos no transporte de passageiros em 2015 (Uber, 99 e tantas outras), complicando e empobrecendo a vida dos profissionais de táxi. A segunda foi a do coronavírus, que ele não pegou, mas o obrigou a ficar 65 dias sem trabalhar. E a terceira foi a enchente de maio/junho, deixando-o sem condições de dirigir por 33 dias. 

Cestari não teve a casa invadida pelas águas. Mora no bairro Igara, em Canoas, área não atingida pela enchente. As suas filhas e parte do seu acervo (cartazes, documentação, crachás, certificados e material de trabalho) foram atingidos e perdidos na rua Gaspar Martins, na parte próxima ao Guaíba. A água e o barro tomaram conta do andar térreo do prédio onde moram. Não sobrou nada para contar a história. Lá foi Cestari dar uma força para as meninas e netos, tirando empréstimos aqui e ali. “A vida de taxista continua ruim”, garante ele.

Mesmo com tantos dissabores, Cestari se vira. Ele não vive só do táxi. Tem o dom da palavra e é um entusiasta do turismo ligado à sua profissão. Acha e coloca em prática a sua máxima de que “o taxista é o cartão de visita da cidade”. Mesmo com a concorrência dos aplicativos, não abandona este ideal de vida. Aos 73 anos, continua procurando sempre novas atividades, sem largar o táxi, onde conhece e conversa com pessoas de todos os tipos. “Vivo aprendendo.”

Resolveu e foi com firmeza e dedicação dar conferências e orientações práticas para os profissionais da área, mostrando “A importância do taxista para o turismo da cidade”. Já participou de 260 eventos Brasil afora, falando em feiras, exposições e festas turísticas dentro do projeto que criou chamado “Do Oiapoque ao Chuí” há 24 anos. Visitou 150 municípios propagando o turismo nestes locais.

A iniciativa rendeu também 90 palestras para taxistas de Porto Alegre em curso da EPTC/Sest/Senat* de 50 horas/aula. A sua conferência dura 2h30min, sempre no encerramento dos cursos que visam conceder alvarás para permissionários do serviço de táxis.


"O turismo é uma atividade econômica que rende dinheiro, emprego e impostos, mas eles não querem saber de nada. É uma pena. É minha frustração" / Foto: Divulgação

É uma vida agitada. As oportunidades de viajar são agradáveis. Ele se sente no seu meio, com os confrades da sua atividade. Cestari é modesto e só cobra transporte e hospedagem. Às vezes pede R$ 3 mil por palestra, mas sempre é meio difícil cobrar de prefeituras, por exemplo, porque elas têm prioridades mais importantes nas áreas de saúde e educação. Também não quer sofrer críticas por estar tirando dinheiro – muito pouco, por sinal – de municípios carentes e sempre enfrentando dificuldades.

Cestari é condutor autônomo há 33 anos, mas já fez outras coisas na vida. Trabalhou como representante comercial da Lorenzetti, Pisos Eliane, Ferramentas Gerais e outras empresas até os 40 anos. Ficou viúvo e mudou de vida. Agregou novas ações. Só resolveu casar de novo quase 30 anos depois, perto dos 70, quando se mudou do apartamento onde morava com as filhas e os netos e foi para Canoas, já perfeitamente curado de um câncer na próstata. Está feliz com a mulher Geneci. Ganhou novos estímulos.

Batalhador, o câncer lhe deu uma nova força, como a de palestrar no “Novembro Azul”, dando dicas e orientando os homens a se prevenir da doença. Para este ano, estão previstos encontros no Hospital Conceição.

De tantas pandemias que vem enfrentando, Cestari acha, porém, que a sua grande luta é pelo turismo e pelo empreendedorismo na área. Faz de tudo pelo turismo, mas só leva ‘chá de banco’ de autoridades. Assembleia, Secretaria de Turismo, Governo do Estado, imprensa corporativa, não lhe ouvem, só dão explicações, fazem promessas que não se cumprem e jogam para o futuro remoto qualquer atenção, “não para mim, mas para o setor, é tudo politicagem, compromissos com partidos.”

"O turismo é uma atividade econômica que rende dinheiro, emprego e impostos, mas eles não querem saber de nada. É uma pena. É minha frustração."

Como taxista, faz ponto na Rodoviária. Diz que a atividade está rendendo pouco, mas faz questão de dizer que vai se virando. Não tem rede social, só WhattsApp, “para evitar muito enredo”. Para Cestari, é preciso se reinventar sempre. “A vida só tem graça se a gente arrumar sempre novos desafios para superar. Não vou desistir.”

* Sest e Senat são siglas que referem-se ao Serviço Social do Transporte e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte. É uma instituição que atua para melhorar a saúde, qualidade de vida e desenvolvimento profissional dos trabalhadores do setor de transporte. Foi criado em 14 de setembro de 1993. Ela oferece serviços gratuitos aos trabalhadores do transporte, como cursos presenciais e à distância, atendimentos em fisioterapia, nutrição, psicologia e odontologia e atividades de esporte, lazer e cultura. EPTC é a Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre.


Edição: Katia Marko