Rio Grande do Sul

CINEMA

Faroeste goiano ganha destaque no 52º Festival de Gramado

'Oeste Outra Vez' recebeu os Kikitos de Melhor filme, ator coadjuvante e fotografia

Brasil de Fato | Gramado |
Entrega de troféus ocorreu na noite de sábado (17) no Palácio dos Festivais, na Serra Gaúcha - Foto: Edison Vara/Agência PressPhoto

Filmado na Chapada dos Veadeiros, o western goiano “Oeste Outra Vez”, do diretor Erico Rassi, foi o grande destaque da mostra de longas brasileiros do 52º Festival de Gramado. Os elogios e diversos comentários positivos durante a semana se confirmaram na cerimônia de premiação que aconteceu na noite de sábado (17), no tradicional Palácio dos Festivais, na Serra Gaúcha. O título – uma ficção que retrata a fragilidade de homens brutos abandonados pelas mulheres que amam no sertão de Goiás – levou os troféus de melhor filme, ator coadjuvante (para o estreante em longas Rodger Rogério) e fotografia.

No entanto, "Estômago 2: O Poderoso Chef" – bastante questionado pelos críticos após a exibição – levou o maior número de Kikitos: melhor filme do júri popular, melhor ator, melhor roteiro, melhor direção de arte e melhor trilha musical. A noite ainda premiou as melhores produções nas mostras de documentários nacionais e de curtas-metragens brasileiros. 

“O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert, levou o prêmio especial do júri pelo conjunto do elenco, que trouxe para Gramado a discussão sobre estereótipos de gênero. O norte-rio-grandense “Filhos do Mangue” garantiu os prêmios de melhor direção para Eliane Caffé e melhor atriz coadjuvante para Genilda Maria. "Barba Ensopada de Sangue", de Aly Muritiba (adaptação de romance de Daniel Galera), e “Pasárgada”, estreia de Dira Paes na direção, receberam apenas um prêmio cada: para montagem e desenho de som, respectivamente.

Nicola Siri, que recebeu o Kikito de melhor ator em prêmio dividido com seu colega João Miguel por ‘Estômago 2: O Poderoso Chef’, agradeceu ao colega: “João, esse é de nós dois! Prêmios individuais no cinema não são prêmios individuais, são prêmios do cinema, de cada filme que está aqui, é uma delícia ver todos vocês aqui. É fundamental continuar investindo, fazendo sempre o cinema, viva a arte, viva a cultura!”. 

Recebendo o Kikito de melhor atriz por ‘Cidade; campo’, Fernanda Vianna também comemorou lembrando dos colegas: “Queria agradecer muito ao Festival de Gramado pela resiliência e dizer que eu estou muito feliz e muito orgulhosa de estar aqui ao lado dos meus colegas de trabalho, de cena e de cinema, porque eu realmente acho que a gente faz parte da turma que vai mudar esse mundo. Viva o cinema!”. 

A produtora Cristiane Miotto, de “Oeste Outra Vez”, chamou a atenção para o filme de Goiás ser um exemplo de resistência do audiovisual independente. “Acho importante dizer que para o cinema fora do eixo, o cinema do Centro-Oeste, o cinema tão pulverizado do Brasil continuar acontecendo, nós precisamos de políticas públicas, nós precisamos que o dinheiro, os recursos cheguem para que profissionais possam mostrar seu talento e contar suas histórias. É uma emoção profunda estar ganhando esse prêmio”, afirmou.

Mais uma vez sem representantes do Estado na mostra principal, neste ano, os títulos locais fizeram bonito na competição dos curtas brasileiros. Já premiado no domingo anterior na Mostra Gaúcha como melhor produção e melhor filme eleito pela ACCIRS (Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul), “Pastrana” foi o grande vencedor do formato. Dirigida por Melissa Brogni e Gabriel Motta, a produção da Okna rodada em Novo Hamburgo ganhou ainda como melhor montagem para Bruno Carboni e melhor fotografia para Lívia Pasqual.

A produtora Aletéia Selonk dedicou o prêmio à família do personagem principal da narrativa. “Faria uma menção em agradecimento ao Pastrana por ele ter nos unido, uniu a todos nós e faz com que a gente esteja em união com tantas audiências que nos assistem, que se emocionam com esse filme também. Eu diria ainda um ‘viva o Cinema Brasileiro em todos os formatos. Viva Cinema Brasileiro de longa-metragem e de curta-metragem!’”, provocou.

Já “Ana Cecília”, escrito e dirigido por Julia Regis (catarinense formada em Cinema e Audiovisual pela UFPEL) e com produtora sediada em Pelotas (Mutirão Filmes), levou o Kikito de Júri Popular. A cineasta estava muito nervosa antes da exibição do filme e não conseguiu falar muito na apresentação da obra, mas na cerimônia conseguiu passar seu recado: “Uma coisa que ressoa muito comigo é que esse filme é um filme sobre jovens e acho que precisamos dar uma atenção muito grande para os filmes de juventude não se tornarem filmes bobos. Gosto muito da ideia de tratar do amadurecimento feminino, tanto de personagens mais jovens quanto de personagens mais velhas. Temos duas meninas, uma de 15 anos e uma de 30, e as duas estão passando por processos diferentes. Essa menina de 15 anos se sente invencível contra o mundo. Sinto que é muito difícil que nós, mulheres, cresçamos continuando nos achando invencíveis e capazes. É muito difícil ouvirem nossa voz, ninguém fala isso. E eu trabalhei com uma equipe que me fez sentir absolutamente invencível, espero que eu tenha feito eles sentirem um pouquinho disso”.

Confira a relação completa dos vencedores ao final do texto.

Ainda na noite de sábado, a organização do Festival de Gramado anunciou a entrada da atriz Camila Morgado na curadoria do evento, assim como a reportagem adiantou com exclusividade durante a tarde nas redes sociais. Ao lado do jornalista, crítico de cinema e professor universitário Marcos Santuario e do ator e diretor Caio Blat, a artista será responsável pela seleção dos longas brasileiros e documentais no próximo ano. Rosa Helena Volk, presidente da Gramadotur, autarquia municipal responsável pela organização do festival, também anunciou a data da 53ª edição do evento: de 14 a 23 de agosto de 2025.

Conexões do mercado, Iecine e a Carta de Gramado


Diretora do Iecine, Sofia Ferreira, Iecine anuncia melhor curta universitário e Manifesto sobre novas tecnologias / Foto: Edison Vara/Agência PressPhoto

A produção santa-cruzense “A Falta que Me Traz”, de Laura Zimmer Helfer e Luís Alexandre, foi o título vencedor da VII Mostra de Curtas Universitários do Conexões Gramado Film Market. Sofia Ferreira, diretora do Iecine/RS, fez a entrega da premiação.

"Sei que ainda não é o Kikito, mas esse prêmio é muito representativo para nossa equipe. Um filme que, apesar de ser universitário, não perde nada para nenhum filme da mostra gaúcha e que só foi possível graças a pessoas que nos apoiaram, que nos ajudaram no financiamento coletivo e prestando os serviços de graça, tanto de parte técnica como do elenco", disse o ator Gui Mallmann, representante da produção dos alunos da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). “Puxando um pouquinho para o lado dos atores, a gente sofreu muito nos tempos das trevas que passamos de 2018 a 2022 e passamos de novo agora com a enchente, com a tragédia que teve aqui. É muito legal ter esse prêmio em mãos, mas é muito difícil ver a nossa agenda vazia e com o ano que vem sem perspectivas. Então, é um pedido muito sincero, confiem nos nossos atores. Atores e atrizes gaúchas têm credibilidade. Nos chamem para trabalhar”, finalizou.

Na sequência, a gestora do Instituto Estadual de Cinema leu a Carta de Gramado redigida nesta edição, a pedido dos profissionais do audiovisual reunidos no 8º Conexões Gramado Film Market (CGFM) e participantes do festival. O documento do manifesto ressalta a importância da regulamentação de recursos recentes como IA e streaming.

Leia a íntegra da Carta de Gramado 2024:

“A Inteligência Artificial é um fato. Se rejeitamos, ficamos mais uma vez à mercê das decisões tomadas a oceanos de distância daqui. É preciso agir rápido para que não sejamos coadjuvantes em nossa própria história; temos que participar das decisões tomadas nessa revolução em curso. Marcamos aqui neste festival, a criação de um grupo de Inteligência Artificial no Audiovisual Brasileiro para mapear e conduzir o impacto dessa revolução no setor. É preciso proteger nossos dados que são a matéria-prima da Inteligência Artificial. É preciso regulamentar o streaming! Estão em risco os direitos autorais, a privacidade e a soberania do nosso país. Precisamos regular a atividade de vídeo não linear, a internet em todos os níveis, a TV aberta e preparar para a chegada da TV 3.0. A ausência de legislação não torna justa a competição; mais de uma década de operação e seguimos sem regulamentação. O cenário audiovisual no Brasil vive outro momento de turbulência e necessita garantir recursos e fortalecer o FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), com aprimoramento das linhas de investimento, retomando os programas de fluxo contínuo e arranjos regionais. Operação ágil e regulação já!”.

Vencedores do 52º Festival de cinema de Gramado:

LONGAS BRASILEIROS

Melhor Filme: ‘Oeste Outra Vez”, de Erico Rassi

Melhor direção: Eliane Caffé, por "Filhos do Mangue"

Melhor atriz: Fernanda Vianna, por "Cidade; Campo"

Melhor ator: João Miguel e Nicola Siri, por "Estômago 2: O Poderoso Chef"

Melhor roteiro: Bernardo Rennó, Lusa Silvestre e Marcos Jorge, por "Estômago 2: O Poderoso Chef"

Melhor fotografia: André Carvalheira, por "Oeste Outra Vez"

Melhor montagem: Karen Akerman, por "Barba Ensopada de Sangue"

Melhor atriz coadjuvante: Genilda Maria, por "Filhos do Mangue"

Melhor ator coadjuvante: Rodger Rogério, por "Oeste Outra Vez"

Melhor direção de arte: Fabíola Bonofiglio e Massimo Santomarco, por "Estômago 2: O Poderoso Chef"

Melhor trilha musical: Giovanni Venosta, por "Estômago 2: O Poderoso Chef"

Melhor desenho de som: Beto Ferraz, por “Pasárgada”

Prêmio especial do júri: elenco de “O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert

Júri da crítica: "Cidade; Campo", de Juliana Rojas – Justificativa: “Por mobilizar questões humanas universais sobre ausências e afetos, além de vislumbrar as delicadas relações entre passado, presente e futuro por meio de uma abordagem sensível, feminina e fantasmagórica, potencializada pelo trabalho tocante de suas atrizes”.

Júri popular: "Estômago 2: O Poderoso Chef", de Marcos Jorge

LONGAS DOCUMENTAIS

Melhor Filme: “Clarice Niskier: Teatro dos pés à Cabeça”, de Renata Paschoal

CURTAS BRASILEIROS

Melhor Filme: “Pastrana”, de Mel Brogni e Gabb Motta

Melhor direção: Lucas Abrahão, por “Maputo”

Melhor roteiro: Adriel Nizer, por “A Casa Amarela”

Melhor ator: Wilson Rabelo, por “Ponto e Vírgula”

Melhor atriz: Edvana Carvalho, por “Fenda”

Melhor trilha musical: Liniker, por “Ponto e Vírgula”

Melhor fotografia: Livia Pasqual, por “Pastrana”

Melhor montagem: Bruno Carboni, por “Pastrana”

Melhor direção de arte: Coh Amaral, por “Maputo” 

Melhor desenho de som: Felippe Mussel, por “A Menina e o Pote”

Prêmio especial do júri: “Ponto e Vírgula”, de Thiago Kistenmacher – Justificativa: “Em uma década de extrema polarização política e divisão social, expor de forma poética o amor e a possibilidade de reencontros e de plantar a esperança – como o coentro - para temperar a vida é um ato revolucionário, as atuações contribuem nesse exercício de afeto sempre fundamental”.

Júri da crítica: “Fenda”, de Lis Paim – Justificativa: “Por retratar as fissuras sociais do Brasil em uma história que não prescinde do conflito familiar. Por examinar a herança nefasta do nosso passado escravista, jogando luz em um microcosmo que não é usual na cinematografia nacional. Por equilibrar uma narrativa clássica com o emprego de uma simbologia potente. E por conseguir conjugar a reflexão com a emoção”.

Júri Popular: “Ana Cecília”, de Julia Regis

Prêmio Canal Brasil de Curtas: “Maputo”, de Lucas Abrahão

Menção honrosa:
“Ressaca”, de Pedro Estrada
“Via Sacra”, de João Campos
“Navio", de Alice Carvalho, Larinha R. Dantas e Vitória Real
“Maputo”, de Lucas Abrahão

VII Mostra de Filmes Universitários - Prêmio Edina Fujii – Cia Rio
Melhor Curta: “A Falta que Me Traz”, de Laura Zimmer Helfer e Luís Alexandre (UNISC)


Edição: Katia Marko