Rio Grande do Sul

DENÚNCIA

Mulheres corredoras se mobilizam contra assédios em espaços públicos de Porto Alegre

Em menos de 48h, quatro casos de importunação sexual foram relatados por corredoras na Redenção e na Orla do Guaíba

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Um espaço seguro para mulheres é um espaço seguro para qualquer pessoa - Arquivo Pessoal

Um grupo de 25 mulheres praticantes de corrida de rua estão mobilizadas para dar visibilidade à pauta da segurança durante exercícios em espaços públicos de Porto Alegre. Na última semana, foram divulgados diversos casos de assédio e importunação sexual à corredoras, o que despertou indignação das participantes. As vítimas também relatam descaso da Guarda Municipal no monitoramento, acolhimento e averiguação das denúncias feitas. Juntas, elas agora organizam uma manifestação e exigem providências da secretarias municipais de Segurança e do Esporte e Lazer.

A mobilização se originou a partir do caso da assistente social Aline Davila. Na última quarta-feira (3), às 6h30 da manhã, ela foi até o Parque Farroupilha, a Redenção, para praticar seu treino de corrida, como já faz há três anos e meio.

Como qualquer mulher que anda pela cidade nesse horário, seguia bem atenta aos movimentos do Parque. Aline encontrou com seu grupo de assessoria de corrida, que optou por se exercitar no espaço situado entre o espelho d'água e o Monumento ao Expedicionário.

Bem em frente ao chafariz, Aline notou um homem sentado em um dos bancos do parque. Na segunda metade do seu treino, o homem assobiou como se a chamasse. Quando olhou na direção dele, percebeu que ele gemia e se tocava.

Assim que se deu conta do que acontecia, a corredora começou a gritar, denunciando a presença do abusador no parque, afim de chamar a atenção do seu treinador e demais transeuntes.

Quando o treinador e outros colegas do grupo de corrida se aproximaram, o abusador fugiu. Toda essa situação aconteceu num lugar que fica em torno de 300 m do Posto Avançado da Guarda Municipal e nenhum guarda se dirigiu até o local para averiguar a situação.

"Eu tive que parar meu treino e ir até o posto da Guarda Municipal. Só que quando cheguei lá, notei que o guarda que me atendeu estava muito mais interessado em olhar para as minhas pernas do que em ouvir o meu relato. Foi como um segundo assédio. Uma segunda violência", relata Aline.

Segundo ela, quando questionados, os guardas alegaram que não ouviram os pedidos de socorro. E que não poderiam fazer nada, pois estavam em troca de turno.

A prefeitura, na inauguração do posto, no final de julho de 2023, informou que as imagens obtidas pelas 26 câmeras de monitoramento do parque estariam à disposição dos agentes, em tempo real.

Após exposição do caso, vieram novas denúncias

Aline decidiu não se calar e expôs o caso nas redes sociais, na intenção de alertar outras esportistas. Seu relato gerou uma avalanche de revolta e abriu espaço para outras denúncias. Pelo menos quatro mulheres contaram que também sofreram assédio na mesma situação. Três delas no Parque Farroupilha e uma na Orla do Guaíba, próximo ao Estádio Beira-Rio. São quatro casos de assédio em 48 horas.

O receio do abuso e do assédio é constante na vida das mulheres, em diferentes situações. Aline teve receio que a denúncia pudesse afastar as mulheres do esporte, mas se manteve firme na decisão de falar sobre isso.

Davila consultou suas colegas e reuniu 25 mulheres corredoras que resolveram se manifestar a respeito dos casos. Criaram um grupo no WhatsApp, com objetivo de se acompanharem nos treinos, passarem informações sobre a segurança dos locais e pensar saídas coletivas para a segurança das mulheres nos espaços públicos.

Elas também estão se mobilizando através de um abaixo-assinado, e pedem providências da Secretaria de Segurança Pública para evitar que o pior aconteça.


Em menos de 48h, quatro casos de assédio e importunação sexual foram relatados por corredoras de Porto Alegre. Três no Parque Farroupilha e um na Orla do Gasômetro / Foto: Arquivo Pessoal

Manifestação no sábado

As corredoras estão chamando as mulheres para um trote coletivo (uma corrida de ritmo lento) que vai acontecer às 6h30 deste sábado (13), partindo do Parque da Redenção e indo até a Orla do Gasômetro, com cerca de 3km. O movimento simboliza o direito das mulheres de ocuparem as ruas e praticarem seus esportes em segurança.

"Estamos num momento de calamidade pública, que favorece o acontecimento desse tipo de situação, mas é necessário exigir providências. Não podemos esperar que o pior aconteça", reforça Aline.

A campanha busca por respostas da Secretarias de Segurança e da Secretaria do Esporte e Lazer de Porto Alegre, e conta com o apoio de figuras públicas de dentro e de fora do meio da corrida.

Nesse momento, em que se pensam medidas de reconstrução da cidade, vale lembrar de estudos como o "Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade", realizado pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, com apoio da Uber e apoio técnico e institucional da ONU Mulheres. Lançado em 2021, ele aponta como uma geografia feminista pode minimizar os casos de assédio sofridos por mulheres. Em resumo: um espaço onde uma mulher puder passar com segurança é um espaço onde qualquer outra pessoa é capaz de se sentir segura.

No grupo do WhatsApp as mulheres também debatem estratégias individuais de precaução, como o uso de apitos, além de utilizar o canal de comunicação para pensar na locomoção conjunta e horários de treinos acompanhados. O abaixo-assinado está sendo utilizado como instrumento de pressão política, assim como o incentivo de registro de boletim de ocorrência para esses casos, que possam contribuir com a geração de dados.

O que diz a Secretaria Municipal de Segurança

Em resposta ao Brasil de Fato RS sobre as denúncias, a Secretaria Municipal de Segurança disse que os registros de boletim de ocorrência são de responsabilidade da Polícia Civil, bem como as imagens das câmeras de segurança da Redenção. Confira a nota enviada pela assessoria de imprensa do órgão:

O procedimento legal para vítimas de violência contra a mulher é o registro junto à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, da Polícia Civil. Não há possibilidade de registrar ocorrências policiais no Posto Avançado da Guarda Municipal na Redenção, criado para intensificar a presença da corporação no parque e facilitar o deslocamento de guarnições. Esta é a orientação dada pelos agentes no local.

As informações solicitadas para registro de boletim de ocorrência são de atribuição da Polícia Civil e Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP/RS), que administram o sistema.

As câmeras de videomonitoramento administradas pelo Centro Integrado de Coordenação de Serviços (Ceic-POA), incluindo os equipamentos da Redenção, estão à disposição da Polícia Civil. O responsável pela investigação solicita as imagens ao órgão, que atende prontamente o pedido. Nenhum arquivo é compartilhado diretamente com o cidadão, em razão das restrições importas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).


Edição: Marcelo Ferreira