Rio Grande do Sul

Em Porto Alegre

Tristeza e esperança são sentimentos relatados por atingidos que ainda estão em abrigo

Ginásio do IPA tem cerca de 50 pessoas esperando retorno para casa, além de vários pets para adoção 

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Cerca de duas mil pessoas afetadas pelas enchentes continuam morando em abrigos em Porto Alegre - Eugênio Bortolon

Os abrigos para as vítimas das enchentes de maio e junho estão perdendo “população” e sendo desmontados gradativamente. No auge da enchente e dos grandes alagamentos, a capital gaúcha tinha 163 abrigos registrados na prefeitura, mas o número chegou a 195, contando os informais. No dia 19 de maio, haviam reduzido para 147 e agora são pouco menos de 50. Não há um número definitivo. Há muita controvérsia nos levantamentos feitos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, instituições públicas ou privadas ou meios de comunicação.

O número de pessoas vivendo em alojamentos chegou perto de 15 mil, hoje estão em cerca de dois mil. A desmobilização começou com a redução dos alagamentos, a volta do sol em alguns dias e a necessidade de as pessoas limparem as casas e retomarem as vidas, ou se transferindo para residências de familiares ou simplesmente buscando novos espaços para viver. 

Uma visita ao ginásio do IPA, nos altos do bairro Rio Branco, em Porto Alegre, mostra um abrigo quase esvaziado. No auge dos alagamentos, teve mais de 150 pessoas por ali, hoje não passam de 50. Estão bem instalados, com colchões, roupas e cobertas em boa quantidade, voluntários e funcionários públicos prestando atendimento. Algumas pessoas que encontrei ali estão como “zumbis”, deprimidas e tristes com a situação e a falta de uma solução imediata para suas vidas.

É triste compartilhar um espaço grande com pessoas desconhecidas, com quem não estamos acostumados no nosso cotidiano. Tomar banho e usar sanitários são tarefas complicadas. Há pessoas com problemas, principalmente idosos, com poucas alternativas e completamente desorientadas. Dois senhores se apresentam, dizem seus nomes, mas não têm ideia de onde estão. Outra, uma velhinha, quer voltar para casa. Está com Parkinson e fica sentada o dia todo, sem conversar, apesar das iniciativas de voluntários e funcionários municipais que ali estão. Ela prefere o silêncio, “submersa” num mundo distante.

Por ali também está um voluntário com grife: o ex-craque do Grêmio, Flamengo, Cruzeiro de Belo Horizonte e seleção da Bolívia, Marcelo Moreno. Estava doando uma máquina de lavar roupas. Contam que ele aparece regularmente, sempre dando uma parcela de apoio. Gentil, sempre está disposto a falar com as pessoas que ali estão e o reconhecem. Tira selfies, responde perguntas e diz que não quer mais saber de jogar futebol, agora pensa em ser treinador. Tem 38 anos, está casado com uma gaúcha e sempre que pode vem ao Rio Grande do Sul. Agora, está feliz em poder ajudar os desabrigados. “Solidariedade é tudo na vida. É preciso transmitir esperança”, garante.


Ex-jogador Marcelo Moreno (camisa preta) esteve no abrigo para doar uma máquina de lavar roupas / Foto: Eugênio Bortolon

Em um anexo ao ginásio, há um abrigo para pets. Eram cerca de 50 no início da enchente. Com feirinhas de adoções, envolvimento total das voluntárias e suas redes sociais, hoje ainda estão por lá três ou quatro. A esperança é de que todos encontrem um lar definitivo logo, logo. “Teve muita gente que levou um bichinho para casa e depois devolveu por falta de adaptação. Outros vieram aqui e deixaram sorrateiramente seus cães, atitude que condenamos”, me disse uma das responsáveis pelo atendimento.

O local do abrigo, o Ginásio do IPA, pertence a duas incorporadoras que ali vão construir mais um dos espigões que infestam a cidade. As empresas, em conjunto com o Colégio Americano e o IPA, montaram o abrigo. Melnick e Cyrella são os atuais proprietários do terreno e dos prédios do IPA, integrante da Rede Metodista, que se encontra em recuperação judicial desde 2021. Os colaboradores das duas construtoras refizeram “a instalação elétrica e os chuveiros, instalaram computadores e internet no local”.  Informação no site da Melnick conta que “o trabalho dos voluntários, colaboradores das empresas, funcionários do IPA e Americano, bem como pais e alunos do Americano, garantiram a montagem das camas e a estrutura completa para acolher quem mais precisava naquele momento”. 

A informação é contestada pela jornalista Clarissa Pont. “Foi um esforço coletivo, autogestionado, descentralizado e civil, envolvendo crianças, pais, alunos e professores do Americano, ex-alunos e ex-professores do IPA, que tornou viável o abrigo. Um grupo ficou lavando o ginásio, porque o IPA está fechado e muito abandonado, outros ficaram na triagem de roupas, alimentos e itens de higiene.”

A jornalista conta que a mobilização da comunidade começou no dia 5 de maio, um domingo, pela manhã, a partir de trocas de mensagens em grupos de WhatsApp que articularam pais, docentes, alunos e as pastorais da escola e do IPA, totalizando ao longo dos dias seguintes um grupo de centenas de voluntários. “Entre 10h30 e 15h30 daquele dia estava tudo pronto, com colchões e lençóis limpos. A triagem não parava. Logo percebemos que não estávamos dando conta das doações e começamos a distribuí-las para outros pontos”, relata.

Pai de uma aluna do Americano, o biólogo Glauco Caon também criticou a nota da construtora. “A Melnick só fez uma reunião permitindo a utilização do espaço. Aí publicaram o comunicado. A comunidade escolar ficou indignada. É bom que a Melnick se envolva de certa maneira, mas está utilizando mais como marketing para eles. Isso deixou os pais e alguns professores bem chateados”, disse para o jornal eletrônico Matinal News.

O abrigo tem data de encerramento no dia 30 de junho. Faltam poucos dias e há expectativa de que todas as pessoas voltem para casa, ou de parentes, ou sejam deslocadas para os abrigos que permanecerão abertos e com atendimento aos desabrigados. Os pets que ainda permanecem no local poderão ser adotados também até o dia 30 ou irão para outros abrigos, segundo os responsáveis. “A expectativa é de que encontrem um lar definitivo”, disse uma voluntária.


Abrigo tem espaço para pets, que aguardam doação / Foto: Eugênio Bortolon

Edição: Marcelo Ferreira