Rio Grande do Sul

Solidariedade

ONG que atuou em Gaza fornece alimentos aos atingidos pelas cheias em Porto Alegre

World Central Kitchen reúne cozinheiros de todo o mundo e atua em situações de desastres naturais e guerra

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Equipe da organização internacional WCK entrega alimentos aos atingidos no Rio Grande Sul - Divulgação WCK

A dimensão da solidariedade global às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul ainda continua forte e persistente, passados mais de 50 dias desde o início da histórica tragédia. É o caso da World Central Kitchen (WCK – Cozinha Central Mundial), aquela mesmo que foi notícia há pouco tempo, quando sete dos seus integrantes foram mortos na Faixa de Gaza em um bombardeio realizado por forças israelenses

A ONG internacional, que atua em eventos naturais de grande porte (terremotos, enchentes, furacões, etc) e guerras (Faixa de Gaza e Ucrânia), uniu-se, em Porto Alegre, ao Instituto FeedMe (Alimente-me) para distribuir marmitas a atingidos pelas enchentes em toda a região metropolitana. As duas juntas chegaram a servir mais de 20 mil refeições diárias em áreas carentes. Ainda estão atuando, mas reduzindo o ritmo em razão da volta de muitas pessoas para as suas vidas habituais.

Esta é a quarta vez que WCK atua no Brasil, depois de liderar, em 2022, o socorro às vítimas das enchentes da Bahia, onde foram servidas 64 mil refeições diárias depois que chuvas intensas intensas levaram a enchentes que romperam barragens, submergindo cidades e deslocando dezenas de milhares de pessoas.

Com uma equipe de quase 20 integrantes, a organização está atuando em várias frentes. Integrantes do grupo, uma chilena e uma guatemalteca – que não quiseram se identificar porque a organização tem um líder que fala e atende a imprensa, o espanhol Juan Camilo – contaram que estão servindo refeições em Canoas, São Leopoldo, Esteio e Sapucaia. 

As duas estavam em uma lavanderia self-service no bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, em altas conversas e foram interagindo com outros clientes. Ao final da história, todo mundo tinha alguma ligação com as enchentes. Um casal de idosos, da zona norte, contava os prejuízos que teve com a invasão das águas em seu apartamento térreo e acabou recebendo ajuda da Inglaterra e Estados Unidos. Um voluntário de Brasília narrava as suas peripécias na Ilha dos Marinheiros. Outros falavam de falta de luz e água e das chuvas que não param. Mas o foco acabou sendo a atuação da WCK, pela curiosidade das pessoas com a presença estrangeira no fornecimento de refeições.


Equipe da organização internacional WCK em atuação no RS para apoiar atingidos pelas chuvas / Divulgação WCK

Histórico

Fundada em 2010 pelo chef espanhol José Andrés, a World Central Kitchen começou com um bate-papo entre ele e sua mulher Patrícia. Discutiam questões da humanidade, problemas de guerras, tragédias ambientais e a fome, que grassava em vários lugares do mundo. Aí surgiu uma ideia simples: “Quando as pessoas estiverem com fome, mande cozinheiros. Não amanhã, hoje”, concluíram.

A partir daí, a organização começou a mil por hora. A World Central Kitchen se estruturou, buscou recursos e obteve amplo apoio em todo o mundo. As suas ações logo saíram dos horizontes europeus e foram para a América Latina e Europa e esteve presente em algumas das maiores crises humanitárias do século, como as guerras entre Rússia e Ucrânia e na Faixa de Gaza, terremotos na Ásia e furacões e enchentes, onde quer que aconteçam. 

O primeiro local a atuar foi no terremoto do Haiti, ainda em 2010, e que registrou 220 mil mortos. O método de operação é ser o primeiro a responder e depois colaborar e galvanizar soluções com chefs locais para resolver o problema da fome, imediatamente após um desastre. O cardápio é adaptado à gastronomia de cada local onde atua. Desde sua fundação, ela já serviu refeições na República Dominicana, Nicarágua, Zâmbia, Peru, Cuba, México, Uganda, Bahamas, Camboja, Ucrânia e Estados Unidos.

 O grupo humanitário ainda possui uma vertente conhecida como Chef Corps, uma rede global de especialistas culinários que defendem o trabalho da World Central Kitchen, fornecendo refeições de qualidade após as crises. Neste braço da organização, chefs conhecidos e premiados mundialmente atuam como voluntários. É o caso da chef Cheetie Kumar, da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, que viu o WCK crescer desde que participou das ações culinárias após o furacão Florence em 2018.

O fundador José Andrés, atualmente diretor de alimentação e membro do conselho administrativo da WCK, ganhou diversos prêmios humanitários pelo trabalho, incluindo a Medalha Nacional de Humanidades, concedida pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em 2015. Recentemente, ele decidiu interromper a atuação do grupo na Faixa de Gaza com a morte de sete trabalhadores da organização após um bombardeio israelense. Ele disse que lamentava tomar a decisão em uma região que passa por uma situação de fome extrema. O grupo operava 68 cozinhas comunitárias na Faixa Gaza e havia enviado mais de 1,7 mil caminhões carregados com alimentos e equipamento de cozinha nos primeiros seis meses de guerra, a partir de outubro do ano passado.

Apoio ao RS

Aqui no Rio Grande do Sul, o Instituto FeedMe foi formado em maio, por meio da união de várias corporações de alimentos e chefs, com o mesmo propósito. Juntas, as organizações passaram a atuar fortemente nas zonas mais afetadas pelas águas. As duas organizações formaram uma equipe para enfrentar a calamidade em um momento em que o voluntariado perdeu força, com o retorno das pessoas à rotina. A partir disso, 35 pessoas de todo o estado foram remuneradas para realizar o serviço de atendimento à população.

A cozinha solidária inclui 30 fogões, 30 panelões e milhares de quilos de alimentos. Mesmo global, a proposta busca preservar o gosto da cultura local. A iniciativa das entidades é colocada em prática com equipes presentes em bairros atingidos. “Chefs brasileiros me contaram da feijoada, do carreteiro, da carne de panela. Disseram que todos caberiam em uma marmita. Aí sentei com eles para decidir as receitas e adaptar ao jeito que os gaúchos comem", revelou Ale Chocano no site da WCK.

O chefe responsável pela cozinha, o brasileiro Icaro Conceição, revela que os voluntários que atuam no local fazem um revezamento para atuar em todas as frentes, tanto na produção quanto na distribuição dos alimentos. "Dois cozinheiros e diversos auxiliares vão nos abrigos servir as marmitas para ter uma noção do que está acontecendo, ouvir sugestões e ver se as pessoas estão aprovando o trabalho.”

O espírito de solidariedade também é reconhecido por estrangeiros que vieram ao estado pela primeira vez. "Os brasileiros são mesmo incríveis quando se trata de ajudar os outros. Eles se unem e ajudam com muita determinação. Eu estou realmente impressionada, não apenas com a comunidade que eu vi aqui, mas também com o time que nós construímos", afirmou Trish Engel, responsável pelo mapeamento de comunidades da WCK no site da organização. 

A comunhão de ideias e propósitos com as comunidades atingidas no estado também foi perfeita. “O diálogo foi perfeito, mapeamos locais e servimos boas refeições, com um prazer especial, o de poder ajudar pessoas com fome”, disse Engel.

Edição: Marcelo Ferreira