Rio Grande do Sul

Crise climática

Mais de um mês depois, prefeitura de Porto Alegre apresenta planejamento para reconstrução

Apresentação acontece uma semana após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acionar o Executivo municipal

Brasil de Fato | Porto Alegre |
De acordo com a prefeitura, primeira etapa do planejamento apresentado no Tecnopuc prevê aplicação de R$ 890 milhões - Foto: Cesar Lopes/ PMPA

Após mais de um mês da maior catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul, a prefeitura de Porto Alegre apresentou o planejamento para reconstruir Porto Alegre. Anuncio foi feito nesta quarta-feira (19), uma semana depois do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) determinar que fosse apresentado, em 10 dias, um plano detalhado para prevenir e mitigar os danos causados pelas enchentes deste ano.

A decisão da Justiça foi resultado de uma ação civil pública movida por diversas entidades e movimentos sociais, que apontam a falta de manutenção necessária no sistema de proteção. 

Segundo levantamento inicial da prefeitura da capital, divulgado no dia 6 de junho, mais de 160 mil pessoas foram atingidas pela enchente histórica que devastou quase 30% da cidade e mais de 93 mil domicílios.

De acordo com o Executivo municipal, o trabalho foi estruturado em seis eixos estratégicos: recuperação da infraestrutura e equipamentos públicos, habitação de interesse social, projetos urbanos resilientes, recuperação de atividades empresariais e financiamentos, adaptação climática e monitoramento e transparência. Nesta primeira etapa, as medidas ultrapassam R$ 890 milhões em recursos. 

O prefeito Sebastião Melo (MDB) anunciou a criação do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre, além do fundo municipal para viabilizar a gestão dos recursos das diferentes fontes. Proposta em projeto de lei, a estrutura temporária será vinculada ao Gabinete do Prefeito, com prazo até dezembro deste ano, e ficará sob a coordenação do secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm.

“O escritório atuará como um facilitador na integração de todos os órgãos municipais. Estamos buscando uma tomada de decisão mais rápida e eficiente neste momento de retomada econômica e social da cidade”, explicou Melo.  

O conjunto de medidas emergenciais inclui investimentos de R$ 510 milhões em reconstrução de drenagem e segurança hídrica, mais de R$ 326 milhões na recuperação de 218 equipamentos públicos afetados, R$ 6,3 milhões no projeto de desenvolvimento sustentável da região das Ilhas, além de R$ 2,6 milhões/ano para sistema de medição e alerta de riscos e R$ 3,6 milhões/ano para centro de monitoramento e previsão do tempo.

Outras providências para reduzir burocracia e atrair investimentos são o procedimento expresso de aprovação de moradias de interesse social, benefícios para atração de empreendimentos de habitação popular e incentivos urbanísticos para revitalização do Centro e do 4º Distrito.

“Todas as estruturas que temos são resultado de décadas de investimentos. O nosso desafio, neste momento, é refazer e qualificar boa parte delas em menos de seis meses.  Precisamos ser estratégicos e assertivos para construir a Porto Alegre do futuro”, pontuou Bremm.

Confira baixo o detalhamento dos eixos do plano estratégico apresentado pela prefeitura de Porto Alegre:

1) Infraestrutura e equipamentos públicos - Levantamento aponta que 218 equipamentos municipais foram impactados, entre saúde (17), educação (14), áreas verdes (161), social (10) e demais serviços (16). Além dos recursos próprios a serem investidos nas reformas, a plataforma Reconstruir POA captou parcerias com a iniciativa privada. A escola Liberato Salzano Vieira da Cunha, no Sarandi, receberá investimento de R$ 7 milhões na soma entre Ambev e Gerdau. Já os trechos 1 e 3 da Orla do Guaíba e os espaços de orla no Lami e em Ipanema serão recuperados com R$ 40 milhões em antecipação de contrapartida da Multiplan referente à implementação do empreendimento Golden Lake, no entorno do BarraShoppingSul.

2) Habitação de interesse social - Com o compromisso assumido pelo governo federal de viabilizar moradias definitivas para os atingidos, a prefeitura apoia com mapeamento das necessidades e do mercado local. São cerca de 21 mil moradias de interesse social diretamente impactadas em Porto Alegre. Em levantamento com as imobiliárias e construtoras, foram identificados mais de 6 mil imóveis disponíveis para compra pela União no padrão do Minha Casa Minha Vida e outros 1,8 mil em construção. 

Para garantir celeridade na oferta de imóveis nessa faixa, a prefeitura estabeleceu procedimento expresso de aprovação de empreendimentos. Já estão aprovadas 471 moradias e outras 4 mil estão em fase de aprovação. Outro projeto de lei encaminhado pelo Executivo prevê conjunto de incentivos urbanísticos para atrair novos empreendimentos de habitação popular nas faixas do Minha Casa Minha Vida.

3) Projetos urbanos resilientes - Uma parceria da prefeitura com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) vai aplicar US$ 1,2 milhão em uma estratégia de revisão urbanística e de ocupação, que começará na região do Arquipélago, contemplando as ilhas Mauá, da Pintada, das Flores, Grande dos Marinheiros e do Pavão. Um plano de ação emergencial será desenvolvido para avaliar reassentamentos, propostas de edificações e recuperação de áreas passíveis de regularização. E um plano urbanístico ambiental irá abordar diagnósticos, propostas de recuperação e ocupação, obras necessárias e monitoramento. O eixo também inclui medidas de incentivo para atração de empreendimentos ao Centro e ao 4º Distrito, previstas no projeto de lei das ações urbanísticas.

4) Recuperação de atividades empresariais e financiamentos - A prefeitura propôs medidas iniciais de alívio econômico, que serão fortalecidas. O conjunto de providências inclui prorrogações de vencimentos dos impostos municipais (ISS, IPTU e TCL), remissão de parcelas do IPTU dos bairros atingidos, suspensão de ações administrativas de negativação e protesto, entre outras. No âmbito dos financiamentos captados, o eixo concentra ações de implantação de R$ 3,7 bilhões pleiteados para projetos de revitalização, resiliência e adaptação climática, como o Programa de Desenvolvimento Social com Sustentabilidade Fiscal (BID); Programa de Revitalização do Centro Histórico e 4º Distrito (BIRD/AFD); Programa de Inovação Social para Transformação Territorial (CAF); Programa de Reconstrução e Adaptação às Mudanças Climáticas (NBD); e Programa de Drenagem Urbana Resiliente às Mudanças Climáticas (KFW).

5) Adaptação climática - Antes da enchente histórica, a prefeitura já estava na fase final de constituição do Plano de Ação Climática, que incorpora medidas de adaptação para preparar melhor a cidade diante da crescente frequência de eventos climáticos. A implementação será potencializada no trabalho do Escritório de Reconstrução, a partir de ações prioritárias como instalação sensores para monitorar o volume de chuvas, níveis dos rios e atividades sísmicas, estabelecendo assim um sistema de medição e alerta de riscos climáticos em 10 pontos chave da cidade com comunicação em tempo real. 

Para aprimorar a infraestrutura do Centro de Monitoramento e Alerta da Defesa Civil de Porto Alegre (Cemadec), estão previstas melhorias na estrutura física, aquisição de equipamentos, softwares e contratação de técnicos especializados para análise de dados hidrometeorológicos. Além disso, o Plano de Contingência da Capital será atualizado para melhorar os procedimentos de alerta e evacuação, estabelecendo rotas de fuga, locais de abrigo, pontos de doação e logística de transporte.

Quanto ao sistema de proteção, o eixo irá revisitar as defesas de Porto Alegre concebidas entre as décadas de 1960 e 1970 dentro do contexto da Região Metropolitana. Um conjunto de R$ 510 milhões em obras de reconstrução de drenagem e segurança hídrica já estão definidas emergencialmente para a Capital. O projeto integrará governança entre Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs e equipe técnica do Escritório de Reconstrução. A partir de diagnóstico das intercorrências, o conjunto de diques terá análise de estabilidade (sondagens, topografia, estudos geotécnicos), recomposição de cotas e de trechos e fechamentos. As casas de bombas receberão intervenções como fonte de energia exclusiva, estrutura para receber gerador, vedação e proteção contra alagamentos e elevação de painel elétrico e motor. Para o Muro da Mauá será feito laudo estrutural, e a qualificação das comportas passarão por etapas como fechamento definitivo de algumas unidades, fechamento parcial, novas estruturas e sistema de fechamento e vedação.

6) Monitoramento e transparência - Ainda em maio, a prefeitura lançou a plataforma https://prefeitura.poa.br/inundacoes, para dar transparência aos dados dos impactos da enchente na Capital, em mapas virtuais e painéis interativos com simulações do alcance da inundação e seus impactos na infraestrutura da cidade. Com a constituição do escritório, será disponibilizada a plataforma de monitoramento do programa Porto Alegre Forte, para que a população possa acompanhar o desenvolvimento das medidas que compõem o plano de reconstrução e adaptação climática.

Estrutura do escritório - O projeto de lei entregue ao presidente do Legislativo, Mauro Pinheiro, formaliza a instituição do programa Porto Alegre Forte e cria a estrutura temporária vinculada ao Gabinete do Prefeito, o Fundo Municipal de Reconstrução e Adaptação Climática e 10 vagas para contratação de técnicos. O escritório irá atuar até dezembro e contará com cerca de 30 profissionais já em atividade na prefeitura.

Contexto do impacto - Porto Alegre teve 30% do seu território diretamente impactado, atingindo mais de 160 mil cidadãos em quase 94 mil residências. Deste total, 21 mil são habitações de interesse social (9,6 mil totalmente destruídas e 11,2 mil parcialmente destruídas), envolvendo a população mais vulnerável de 89 núcleos urbanos informais. 

O impacto econômico no setor privado atingiu quase 46 mil empresas, somando 20% dos CNPJs de Porto Alegre com danos de R$ 3,2 bilhões ao mês. No âmbito do setor público municipal, as perdas e custos de recuperação superam R$ 12,3 bilhões, conforme ofício entregue pelo prefeito Sebastião Melo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento contempla levantamento preliminar com R$ 5,5 bilhões de investimentos em habitação e R$ 6,8 bilhões solicitados pela prefeitura para recuperação de equipamentos públicos, da infraestrutura e dos sistemas de abastecimento, esgotamento sanitário e manejo de águas pluviais, reconstrução de diques, implantação de novas comportas e adequações viárias e recomposição de perdas de arrecadação.

Atuação emergencial - A enchente de maio mobilizou servidores públicos e voluntários no acolhimento de cerca de 15 mil pessoas em 195 abrigos localizados em Porto Alegre, que também recebeu moradores de cidades vizinhas. Para garantir o abastecimento na Capital, a prefeitura implantou três corredores humanitários que priorizaram a entrada de suprimentos e a operação de serviços essenciais como saúde e limpeza urbana.

Conforme baixou a água nos bairros, uma força-tarefa de recolhimento de lixo mobilizou mais de mil profissionais e 450 equipamentos, ultrapassando as 70 mil toneladas coletadas até o momento. A Estadia Solidária foi ampliada para R$ 1 mil/mês por até 12 meses, com recursos municipais e do governo estadual, para 3,9 mil famílias habilitadas inicialmente. Hoje, são mais de R$ 380 milhões em recursos próprios do Município destinados para investimentos e serviços.  


Edição: Marcelo Ferreira