Rio Grande do Sul

IGREJA EM SAÍDA

Segundo dia de Encontro de CEBs no RS conduz reflexão ao verbo 'Julgar' e relembra mártires

Programação colocou grupos em estudo e debate pela manhã, partilha das leituras à tarde e celebração nas ruas à noite

Brasil de Fato | São Leopoldo (RS) |
Atividades do dia centraram-se em reflexões bíblicas, mas mantiveram o ânimo dos participantes do encontro em alta - Corbari

No sábado (21) o Encontro Estadual de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) do RS, realizado em São Leopoldo, foi dedicado ao verbo Julgar (na metodologia o verbo Ver já havia sido abordado no primeiro dia e o verbo Agir ainda viria a ser abordado no terceiro). “Julgar, no nosso caso, não é referente a condenar ou absolver, mas sim criar discernimento a respeito dos temas que estamos propondo refletir”, explicaram os assessores do dia.

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Com programação intensa, o segundo dia iniciou com grupos de trabalhos de estudos bíblicos, dividindo os participantes em cinco núcleos e posteriormente construindo o momento de partilha de reflexões e proposições à plenária e manifestações dos assessores.

O final do dia reservou o momento do Encontro de CEBs sair do espaço do Centro de Eventos e ganhar as ruas da cidade, fazendo memória aos e as mártires que deram suas vidas pelas causas da igreja e pelas lutas do povo.

Trabalhos em grupo refletem passagens bíblicas frente a temática dos imigrantes

O primeiro grupo debateu o texto de Genesis (12, 10-20) tendo retirado considerações a respeito das lutas das mulheres, afirmando a consciência do seu potencial; o apoio ao povo para que perceba os “faraós” dos dias atuais; a necessidade de ocupar os diferentes espaços que são oferecidos; incentivar a organização do povo para o enfrentamento das injustiças, a busca da verdade nas relações, a denúncia da opressão, o agir na hora certa; o alerta para a leitura alienante da vida; a consciência de que é preciso partir da realidade conflitiva para agir de forma libertadora; superar o medo de enfrentar o conflito, olhar criticamente a realidade, buscar a leitura da Bíblia de forma sociotransformadora; exercer a missão profética das CEBs, necessidade de buscar a superação da desigualdade e a superação da desigualdade da mulher na Igreja Católica; exigir mais políticas de apoio à mulher, a maior participação na sociedade e na política, em espaços de deliberação e construção, caminhada em conjunto.

O segundo grupo debateu texto do livro do Deuteronômio (Dt 26, 1-11). Nos apontamentos compartilhados com a plenária, questionaram “qual Igreja que queremos, uma Igreja que parte do topo da hierarquia ou uma Igreja que parte da base?” e criticaram o sacramentalismo que descola as pessoas da realidade social que a comunidade está inserida. O grupo compreendeu à luz do texto bíblico estudado a sua própria condição de oprimido e que as CEBs continuam caminhando com esperança pela libertação e, à luz do texto. Os compromissos apontados foram: lutar com e pelas novas gerações, inclusive nas novas periferias, ocupando os espaços digitais; buscar a compreensão da sociedade do século XXI como uma sociedade migrante digital; reafirmar que a luta das CEBs deve ser como semente na terra, compreendendo que é preciso respeitar o tempo até o frutificar, acreditando no futuro de acordo com o que se está plantando nos dias atuais; buscar a compreensão de que o RS vive uma transição demográfica que tem impactos sobre as comunidades.

O terceiro grupo debateu texto do livro de Rute (1, 1-22) , através do qual os participantes interpretaram como um exemplo de perseverança e fé em Deus por meio da luta. “A fé sem obras é morta”, afirmaram. Entre os destaques recolhidos dos participantes estiveram presentes apontamentos como: buscar meios para que as mulheres possam assumir protagonismo tanto na família como na sociedade; participar na construção de políticas públicas para valorização das mulheres e migrantes, em defesa da vida, fortalecendo os conselhos que garantem os direitos de todos; assegurar a organização e funcionamento das pastorais sociais das comunidades; divulgação de programas sociais que garantam os direitos da população; construção de uma cultura de paz a partir das comunidades; assumir o compromisso de acolher a todos ao redor da “mesa do pão”, tanto quanto alimento físico como também alimento espiritual.

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O quarto grupo debateu texto do Evangelho de Matheus (2, 13-23). Na interpretação do grupo, a passagem remete ao motivo da migração pela defesa da vida, busca de um sistema que favoreça a dignidade da pessoa humana, a fuga do sistema de opressão, a disputa poder x vida. Os destaques apontados remetem para a ideia de que há ciclos históricos que se repetem, identificando aspectos comuns entre a passagem bíblica estudada e os tempos atuais. Outros pontos destacados: é preciso conhecer o contexto de quem vive em periferia, pois possuem uma maneira de partilhar própria; ter consciência de que o nosso agir é fraco e é preciso ter coragem para efetivar as denúncias e para praticar as renúncias; o povo precisa de mais “luzes” para seu agir, conhecer políticas públicas, melhorar a comunicação, estar atentos para acolher; é necessário articular para resgatar a dignidade das pessoas que passam fome; centrar forças na realidade, trabalhar melhor as mídias sociais, assumir a defesa dos mais vulneráveis e dar mais atenção aos migrantes urbanos também foram aspectos citados pelo grupo. “É preciso ter coragem, a esperança, a igualdade é a fé como projeto de vida”, afirmaram.

O quinto grupo debateu texto do Evangelho de Matheus (25, 31-46). O grupo apontou a compreensão de que as ações de Jesus relatadas pelo evangelista são também sociais e diretas com as pessoas e apontou como “luzes” para os dias atuais as seguintes considerações: criar consciência de humanidades; compreender que a juventude é sinal de esperança; manter vivo o princípio do “ninguém solta a mão de ninguém”; é necessário formar e agir, agir e formar; não excluir os migrantes e sim criar estruturas de acolhimento religiosa e social, reforçando as iniciativas já existentes, como as pastorais e organizações sociais; é necessário romper o individualismo e não calar diante das adversidades; garantir os direitos humanos para todos; manter sempre a opção pelos mais pobres; valorizar os migrantes, reconhecer seus talentos, dons, habilidades e profissões.


Celebração dos Mártires encerrou as atividades do segundo dia do Encontro Estadual das CEBs do RS / Corbari

Assessorias interpretam passagens e sistematizam contribuições dos grupos

As assessorias do dia foram realizadas pelo padre Alfredinho Gonçalves, da Pastoral do Migrante, e Ildo Bohn Gass, biblista do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos), que tiveram a tarefa de sistematizar as contribuições à luz da passagem bíblica do livro de Isaías que serviu como referência de partida para todas as atividades do encontro: “Alarga o espaço da tua tenda” (54:2-3).

Padre Alfredinho lembrou que cada paróquia deve ser uma tenda alargada para acolher aos migrantes e imigrantes que chegam até o território, que devem estar prontas e de portas abertas para acolher: “As pessoas acolhidas não são mais estrangeiras ou peregrinas, não são mais errantes, devem ser considerados concidadãos, membros da casa, conforme aprendemos em Efésios (2-19).

Buscou ainda no livro do Deuteronômio (10, 17-19) fundamentação para afirmar que na Bíblia o direito do imigrante é assegurado. “As pessoas mais vulneráveis da comunidade eram consideradas o migrante, a viúva e a criança órfã, citadas nesta passagem. Aqui temos a afirmação de que Deus não está à venda, não aceita suborno, ele não faz escolhas de pessoas, faz sim justiça aos mais vulneráveis”.

Já Bohn Gass lembrou entre as suas considerações da passagem do livro do Êxodo, no capítulo 3, que remete ao período que o povo de Israel foi escravo de Faraó no Egito. Conforme o biblista, um detalhe em específico deve chamar nossa atenção: os verbos utilizados pelo autor.

“São verbos de ação e que para nós servem para estabelecer uma ponte entre os verbos do nosso encontro: Ver, Ouvir, Conhecer, Enviar.” E segue trazendo a reflexão ao encontro dos apontamentos dos grupos: “Deus diz que vê, que ouve e que conhece a quem é pobre, a quem é excluído, a quem sofre. Ele afirma que por isso deve-se colocar junto com o povo como migrante na caminhada, Ele não vive nos palácios, mas sim caminha com o povo.”

Fez ainda uma crítica dura aos segmentos que procuram “capturar” Deus e atrelá-lo aos interesses financeiros e a manipulação do poder: “Esse não é o Deus do povo”. E dirigindo-se aos participantes do encontro explicou que “Deus é capaz de fazer-se ao longo do caminho, que desse modo as Comunidades Eclesiais de Base são a representação de Deus pelo caminho”.

Celebração dos Mártires

O dia encerrou com a Celebração dos e das Mártires, fazendo memória aos homens e mulheres que tiveram suas vidas encerradas pela violência enquanto defendiam as causas do povo, tanto aqueles e aquelas vinculados à missão da Igreja, quanto os/as que caminharam entre os movimentos sociais e organizações populares.

Motivados pela reflexão central que remete a realidade dura e às violações e violências a que foram expostos os imigrantes e migrantes do passado e às que estão expostos e submetidos os migrantes e imigrantes dos dias atuais, os participantes do Encontro Estadual das CEBs do RS realizaram a celebração caminhando um percurso de aproximadamente 5 quilômetros, a partir do santuário Sagrado Coração de Jesus (Padre Réus).

A jornada atravessou o centro de São Leopoldo ao final da tarde, encontrando as contradições características da cidade grande que oferece oportunidades e benefícios para alguns e exclusão e exploração a muitos outros.

Os caminhantes afirmaram com voz forte a presença daqueles e daquelas que em diferentes territórios e períodos lhes foram tirados, mas que permanecem consigo como símbolos de luta e sementes de resistência.

Ao final da caminhada chegaram no Museu do Rio (localizado às margens do Rio do Sinos, local onde as imigrações históricas aportavam, há dois séculos). Ali com fogo acesso, gritaram em voz unida a palavra de ordem “Presente!” para cada nome citado durante a percurso.


Edição: Katia Marko